17.9.12

E ela com tantos planos para depois

Em conversas na diagonal, Ermelinda fala por vezes na sua vida passada : mulher activa, com carreira promissora, sem filhos, nem encargos. Interessa às pessoas que cruza, desvendar o mistério que, muito involuntariamente, vai propagando. O que motivará uma marmanja de boa saúde a ficar em casa a cuidar dos filhos e a ler livros, se ao menos fosse ao cabeleireiro e andasse com as unhas arranjadas... Vai explicando o seu drama como pode, evitando tão bem como mal, a posição fetal e o polegar na boca. Palmadinhas nas costas, o sistema é muito ingrato - o resultado obtido é sempre este e é garantido.
E assim vai andando, sem questionar a possível utilidade de uma terapia. Ou a urgência de não protelar o seu regresso ao mundo salarial. Isso e a dieta à base de líquidos.
Tudo mudou naquela manhã.
A correr para não chegar atrasada nunca mais na vida, despediu-se da minha filha à entrada na escola e pensou ir à sua rotina desregrada. Quão errada uma mulher pode estar em manhãs de orvalho sem nuvens.
Um vizinho pró-activo lembra-se de juntar ao habitual cumprimento matinal uma proposta de emprego. Interessante para Ermelinda. Interessante para o seu curriculum, mais as suas teias de aranha. Coincidente com as suas queixas e lamentações.
Ermelinda não sabe o que fazer.
Ela, que sempre arranjou emprego em anúncios públicos, agora mergulhou no mundo das cunhas. Foi empurrada, sejemos exactos. Começa a recear não saber nadar.
Como é que faz aquela gente dos padrinhos ? Pensava. Se eu desiludir e ele me despedir, imaginem o mau estar na bicha do pão. Se eu desiludir e ele não me despedir, o desconforto no elevador, quando descer em pantufas para ver o correio. Se o emprego não for aquilo que eu estava à espera, e ser eu a desiludida, como bater com a porta ?
Resultado, re-começou oficialmente à procura de um emprego oficial e sem favores que não sabe controlar. Sente que vai ter uma semana engraçada pela frente. Ermelinda para se vender no mundo salarial, cria outra personagem, a Joaquina, e vende-a como se fosse a melhor profissional do mundo. Tem corrido bem o engodo, no passado. Como andarão as modas em 2012 ?

Ermelinda não devia ter falado ontem com aquela jovem diplomada dinâmica, que lhe confessou que no final do dia se pergunta o que devia ter feito para atingir a excelência no trabalho. A excelência ! Ermelinda sabia que tinha sido um erro. Agora vai ali ouvir o Loser do Beck, para um maior conforto e solidariedade. No caminho cruzou-se com um clip dos Ornatos Violeta e, entretanto, já está noutra. Tão difícil manter a prespectiva num dia bonito como o de hoje !

Isto vai, isto vai.

2 comentários:

  1. Vai, claro que vai. Mas não te sintas mal se não te apetecer ser a Joaquina, ou se a "excelência" no trabalho soar a mal entendido. Há sempre lugar neste mundo para ovelhas tresmalhadas, não há? (diz que sim, por favor)

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  2. Mas é tão politicamente incorrecto não querer ser a Joaquina, que às vezes, parece que não se tem escolha. Existe sempre escolha, sempre eu sei. Mas às vezes...
    Não faço ideia do que se pode fazer às ovelhas tresmalhadas. Tosquiar ? (respondo-te assim que tiver resposta. Fica prometido).

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