3.10.25

Quanto até ao apocalipse?

Londres, anos noventa. Lembro-me de rir discretamente, mas com vontade, no speakers corner, nooo Hyde Park, quando vi pela primeira vez aquele gentleman de barba longa e branca, em cima de um caixote de madeira com o cartaz bem alto "Things gonna get worst". Anunciador do apocalipse num dia de chuva antes da hora do chá, achei super chique. Devo ter tirado uma foto analógica, ou talvez não, nessa altura pesava-se bem cada imagem que valeria ser guardada para sempre. Não devo ter tirado, a luz estava péssima, era uma imagem para ser guardada só na memória humana e orgânica. 

Agora, ando à procura de um caixote suficiente forte para me equilibrar em cima com um cartaz semelhante, se não pior. O meu pessimismo está ao rubro. 

E sei que no meio desta lama há um caos bonito e solidário, não fechei os olhos às maravilhas que me rodeiam. Sempre tive muita sorte com os meus olhos. A lucidez não tem de nos cegar.

Só tinha vivido até agora o apocalipse em filmes. Em filmes não há esta morte lenta da sociedade, este fartar de descidas sucessivas de nível moral até à sua banalidade. Estas contas para pagar. Hannah Arendt avisou e escreveu, mas na altura da civilização em que mais pessoas sabem ler, ninguém mais o faz. Os sinais estão todos cá e os maus são porcos e feios, sem nenhum  hipocrisia. Zero carisma. E, no entanto, a mensagem e as ações sucedem-se e olhamos ao nosso redor estupefactos. Eu envergonhada pela minha ingenuidade. O meu otimismo nato que já comecei a enterrar.


Texto escrito dentro do grupo Largo. Esta semana, já há este textos para explorar:


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