8.10.14

Viver no vale sagrado





Ficamos alguns dias em Cusco. Visitamos o que queríamos e ignoramos, contra todos os conselhos, o boleto turistico que nos tentam impingir. Pagamos mais caro, não somos racionais, mas fazemos e visitamos o que queremos, quando e como entendemos. A liberdade tem sempre um preço e neste caso é apenas monetário. (Mas irrita-me esta organização da vida pelos outros).

Vamos embora porque eu quero entrar no Vale Sagrado, convenço-os que o mundo é grande e espera por nos. Mas talvez não tenha razão, gostamos de estar em Cusco, talvez devêssemos ter ficado mais uns dias. Seguimos caminho, voltaremos mais tarde, a seguir ao Vale Sagrado e a Machu Picchu. Nada se perde. Temos tudo a ganhar. Vivemos momentos extraordinarios. Acreditamos na nossa sorte e sentimo-nos invenciveis, enquanto cruzamos os dedos.

Negociamos o preço do transporte, numa gare onde somos os únicos estrangeiros. Decidimos abandonar, sempre que possível, os luxos que o turismo peruano previu para a sua amável clientela. Não estamos aqui para ser servidos. E gostamos dos peruanos que vamos encontrando. Não vou fazer generalidades, mas, talvez por sorte, talvez por culpa de uma visão tendenciosa, temos cruzado apenas pessoas que nos sorriem e querem ajudar, tecendo elogios aos nossos lindos wawas. (bebés em quechua).

O señor que nos conduz foi carregador de mochilas de turistas que fazem o trekking até Machu Picchu. Mudou de trabalho, porque é muito duro, apesar de gostar de atravessar paisagens bonitas. Simpatizo dele, mas ele não me compreende. Não vamos fazer o trekking, apesar de querermos muito, porque tememos que seja demasiado para os nossos filhos, principalmente por causa da altitude. Tenta convencer-nos a irmos mesmo assim e depois um mochileiro carrega-os nas partes mais fáceis. Não quero educar os meus filhos a serem carregados por outros a quem se paga. A esperar serem servidos por outros em troco de dinheiro. Já o fazemos demasiadas vezes, estando no sistema onde estamos. Não pretendo juntar ainda mais vícios. Carregam felizes a sua própria mochila, fazem a sua cama, levam o seu lixo até à cave, preparam algumas refeições. assim é a normalidade.
O señor esta cansado começou a trabalhar às 2 da manhã, tememos que adormeça numa viragem e propomos, com algum receio de sermos indelicados, sermos nos a conduzir. Pensa que estamos a gozar e ri-se : ter um gringo como motorista. 

O vale é sagrado, e isso vemos facilmente assim que chegamos ao primeiro miradouro. Montanhas com neve, um vale verde em baixo, homens e mulheres vestidos tradicionalmente, campos cultivados com ajuda de carros de bois. porcos, ovelhas e burros em liberdade. Descemos até Urubamba, dizem-nos que é uma vila com poucos turistas e ao pé podemos visitar as salinas e o site Moray, um laboratório de agricultura incas.
De cima não me parece grande coisa, mas de cima não se vê o essencial : as pessoas e como nos vão tratar. Aqui voltaremos seguramente.
Jogos de futebol com as crianças do bairro ficaram agendados. Aparecem sempre que ouvem uma bola, andam soltos, sem supervisão de adultos, são educados, cordiais, donos de si.
Aqui começou a metamorfose da minha filha, que deixa para trás poucos, mas pesados anos de "as meninas não fazem isso" dos recreios escolares. Acreditar nas energias do vale e repetir quantas vezes for preciso se queres, podes e consegues.  E isto em 2014, vindos de um pais europeu dito civilizado. Sentimo-nos num novo mundo.

5 comentários:

  1. "Não quero educar os meus filhos a serem carregados por outros a quem se paga. A esperar serem servidos por outros em troco de dinheiro." que lindo, carla!
    mas säo mesmo sempre lindos os seus textos.

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  2. Acho que posso dizer que de alguma forma nos tens carregado a nós que te lemos e vemos esse mundo pelas tuas palavras e fotos. Tenho muita curiosidade nesses sinais de metamorfose que uma viagem destas deve provocar nas pessoas. As crianças, claro, batem-nos aos pontos.

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    1. Batem, batem. A minha filha, por exemplo, agora é peruana...

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    2. Lá está, eles são muito mais sábios.

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