27.10.14

Uros, por exemplo



Continuamos a nossa fuga às agências e ao turismo organizado. Drible. Slalom. Tínhamos sido assim tão solicitados, por quem quer o nosso bem, quando estávamos sentados no nosso sofá ?
Sem televisão, sem publicidade, sem testemunhas de jeova, sem vendedoras de produtos naturais, ou de aspiradores ultra tecnologicos éramos livres e não sabiamos.

Dirigimo-nos ao porto e compramos passagens para as ilhas Uros. Muito mais barato. Nenhuma informação. O caos na hora da partida. Tudo para dar certo.
Mas não há receitas. Como se uma viagem à volta do mundo fosse uma cruel metáfora do que é a vida. Nada a aprender, sempre a experimentar. Um eterno primeiro dia. 
Chegamos a uma pequena ilha flutuante, onde viviam 6 famílias. O presidente da ilha, escolhido a cada três meses, explicou-nos como constroem o chão que pisam e como se organizam. Foi interessante, completou o que já sabíamos de um documentario sobre Vidal, um menino de 11 anos, que tem que ir de barco para a escola (da ARTE). Educadora, cheguei mesmo a advertir ouçam crianças.
Depois fomos convidados a entrar numa das casas. Um colchão, umas coisas no chão, uma galinha que entra pela porta. O que é que eu estava a fazer na casa de um estranho ? Entrar na cultura, perceber o que se passa deste lado do mundo, mas por muitos sorrisos que me fizessem, sentia-me uma intrusa. Uma espécie de conquistador sem pistolas. Uma carteira com pesos andante. 
Quando sai comprei-lhes um barco de totora, de que não preciso e não sei como guardar. Como se o dinheiro me redimisse de estar ali. Da minha imposição. Do meu estatuto de turista sem pudor, que quer ver tudo.

Os meus filhos, que não se deixam abater por sentimentalismos, tentavam escavar buracos para ver se viam a agua. Com espírito cientifico, saltavam para constatar se a ilha era mesmo flutuante. Eu. Eu devo ter tido aquilo ao que vim. De facto, as fotos ficaram magnificas e se aqui não tivesse vindo escrever, daqui a uns anos este seria um dos mais bonitos dias desta viagem. Que o tempo e as belas fotos têm este efeito sobre o passado. Ex-namorados e fins de semana com sol, incluídos.
Mas não foi. Quis sair dali. sonhei com sofás e casas de outros onde me sinto bem.

No caminho de volta, um colombiano assegurou-me que a Colombia é um pais seguro e que devia visitar urgentemente. O perigo estava na Venezuela. Mais tarde, nas ruas de Puno, quando procurava leite para as crianças, dizem-me para não perguntar a direcção às pessoas na rua, porque podem ser de Lima, não são de confiança. Todos são desconhecidos, mas chamam-me amiga. A desconfiança esta sempre nos outros, nos que ainda não cruzamos. 
Afinal, se calhar devíamos entrar mais vezes nas casas uns dos outros. Saltar de sofá em sofá. 
Mas desta vez, sem dinheiro nos bolsos.

2 comentários:

  1. bom dia!
    já nem sei quem como aqui vim parar, mas que bom que vim :-)
    está a ser tão bom lê-la!
    no início do ano andei também a passear por aí e que luta é se queremos seguir outros caminhos para além dos que nos querem vender.
    será que me pode dizer o nome do documentário que refere?

    obrigada e boa viagem!
    catarina

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  2. Bom dia Catarina, este doc especifico é da série : "Chemins d'école, chemins de tous les dangers" (http://www.arte.tv/guide/fr/051645-004/chemins-d-ecole-chemins-de-tous-les-dangers)..

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