27.10.14

Em busca de Félix


Para tentar dar algum sentido a esta semana, fugimos para a península de Capachica.
Nunca tinhamos ouvido falar antes de Capachica e ninguém parecia interessado em vender-nos a felicidade aqui, pelo que nos pareceu um bom plano.
Apanhamos um colectivo, depois outro que se foi colorindo a cada quilometro que nos afastávamos de Puno, a grande cidade. Os chapéus em forma de disco iam sendo substituídos por chapéus de três bicos - como na canção - enfeitados por pompons. Os lugares para duas pessoas, iam sendo utilizados por três. Quatro se houvessem crianças. E há sempre crianças em Peru. Trocam-se favores, elogios às crianças e crackers por pipocas moles e doces de milho gigante. 
Gracias, gracias, gracias.

Chegamos a uma estrada de terra que não se parecia com nada. Llachon.
Salen los pasajeros, por favor. 
Na praça principal, perguntamos a umas senhoras com pompons se conhecem o señor Félix. Dizem-nos para irmos caminhando pela estrada fora.
Isto não é uma canção ?
Não há carros, não há jipes. Apenas pés e patas. Somos acompanhados por um cão, seguindo instruções que vamos confirmando pelo caminho. A casa do Félix é sempre em frente, por mais em frente que andemos. Uma senhora que tece na borda da estrada diz-me que tus niños me regalam. Outro senhor, mais util, telefona para o Félix e diz-nos para continuarmos sempre em frente. Alguns sempre em frente depois, um rapaz de dez anos e uma bicicleta cor de rosa, diz-nos para o seguirmos : é filho do Félix.
Chegamos a casa do Félix.
Primeiro vimos o sorriso do Félix, depois o Félix. De seguida uma vista magnifica sobre o Lago Titicaca, finalmente um maté de coca.
O cão que nos tinha acompanhado desde o inicio é, afinal, o cão de Félix : Wawa Wasi.
Nada tinha sido deixado ao acaso.

Almoçamos truta do lago, preparada pela mulher do Félix. O meu filho brinca com os filhos do Félix, mesmo depois de se esfolarem os joelhos que não eram do Félix. As meninas, a nossa e a do Félix, comparam as polleras e comunicam aos segredos.
O Félix esta em todo o lado. Mas nem sempre foi assim. Em 2002,  foi eleito protector da comunidade, um cargo que não se pode recusar. Ficou sem trabalhar, nem ganhar dinheiro durante um ano. Tinha que andar com um chicote a patrulhar durante o dia todo. Há sempre problemas. Entre vizinhos, entre marido e mulher. As mulheres casadas não podem ter esta responsabilidade. 
Em quem cairá mais vezes o chicote ? A um vizinho, que no ano a seguir vai tê-lo nas mãos, ou a uma vizinha que nunca o terá? Não perguntei, porque já sei que não vou ter uma resposta. Uma pessoa não aprende muito, mas vai ganhando calo.
Não há ladrões, nem policias em Capachica, afirma orgulhoso Félix.
Têm chicotes com sorrisos.

Há noite troveja. A casa treme. O céu muda. O lago não é o mesmo. A luz não parece deste mundo. Compreendo as lendas e crenças que aqui nasceram, é um sitio ideal para se imaginar deuses. Aquelas nuvens, por exemplo.

Acordamos cedo para subir até ao miradouro, antes que o calor chegue. Somos acompanhados por Wawa Wasi, sempre. O meu filho agora quer ter um cão, evidentemente. Acredita que estabeleceram uma ligação verdadeira, nunca mais se vai querer ir embora daqui. Jura. Nunca mais.
O lago e as ilhas de Taquille e Mantanilla.
Do alto escolhemos o nosso futuro : Taquille.
No barco do Félix, somos levados onde julgamos querer ir, por 90 pesos. Directamente para casa de um dos seus amigos.
Taquille é já ali, parece-nos. O Lago é sereno. O barco é lento e a viagem dura o tempo que tem que durar.

8 comentários:

  1. Estamos deste lado a viajar convosco!!! Boas aventuras!!! ... num mundo em que somos cada vez mais (ou temos de ser) 'cidadãos do mundo'... que bela aprendizagem estão a ter os vossos filhos!!

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  2. Ninguém a querer vender-vos a felicidade deve ser o melhor critério que já ouvi. A foto com o cão até a mim me deixou embevecida e nem é o meu filho.

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  3. Que lindo que é tudo! Nem devem ter vontade de sair da América do Sul.

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    1. Por enquanto, ainda vamos ficar por aqui mais uns tempos. Mas a Asia apetece-nos muito. Havendo movimento e mais para ver, ali à frente, estaremos satisfeitos.

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  4. Sabes que esta coisa da globalização dá nisto. Toda a gente acha que sabe como fazer os outros felizes.
    Gosto do Peru que nos mostras.
    (O cão do Félix tem um nome maravilhoso)

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    1. Achas que é apenas por causa da globalização ? Olha que tive vizinhas que tinham a certeza acerca dos namorados com quem eu não devia andar.

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