Chegamos a Puno. Mas não directamente de Raqchi num autocarro, como tínhamos pensado. Não teria sido a mesma coisa, e a verdade é que ninguém nos mandou viajar no dia das eleições. O que interessa é que chegamos. Três colectivos depois. Três correrias para os apanhar. Filas intermináveis. Um taxista que em vez de olhar para a estrada, ia a fazer ternuras à figura do Cristo, no tablier do carro. Uma passagem relâmpago por Juliaca, a cidade mais feia de Peru e, segundo os que vamos cruzando, seguramente a mais insegura também.
Chegamos de noite a Puno. Não sabíamos onde íamos dormir, mas estávamos tranquilos, depois de Raqchi, tudo vai ser fácil. Canja. Dieta de pollo. Os miúdos são verdadeiros aventureiros. Não stressam e aguentam com as mochilas de um lado para o outro, depois de uma longa e cansativa viagem. Nunca pensei que o sedentarismo e as facilidades fossem tão prejudiciais para as crianças.
Chegamos. Apesar de não ser apenas isso que conta.
Puno não nos interessava muito, viemos aqui porque é perto do lago Titicaca. Três dias depois e ainda ouço piadas com este nome. Mas nada se passa como tínhamos planeado. Por muito pouco que andemos a planear. Havia apenas um pequeno museu sobre as civilizações pré-incas do lago, que queria visitar. Vivemos em Puno quatro dias e não chegamos a passar-lhe a porta.
A minha filha faz oito anos em breve e tem uma ideia fixa em mente : quer ser peruana.
E que lhe cantemos os parabéns em espanhol. Cedeu na parte quechua, depois de alguma discussão e decidimos omitir que existe uma parte Aymara. Em parte, em parte.
Passamos os dias à procura de um bolo normal. Hello Kitties, Barbies, princesas não sei quê, muito rosa, tudo muito grande. Em baixo sinto olhos a revirar. Já lá vai o tempo destas coisas. 8 anos de tempo, que já lá foi. Um ápice que não quis agarrar.
De seguida, andamos à procura de uma saia tradicional. Culpo Raqchi, evidentemente. Corremos os mercados de artesanato. Estas saias não são para os turistas. Polleras, señorita. Não existem em lado nenhum, estão em todo o lado, nos corpos das mulheres, das meninas. Dizem que tem que ser feita de propósito. Finalmente indicam-nos la avenida Laykakota, fora do centro da cidade. Moto táxi. Entramos nos bastidores do Carnaval de Puno, lojas atrás de lojas com roupas e mascaras tradicionais que só tínhamos visto no museu d'Orsay. Hoje em saldo.
Não deixa de ser curioso esta organização de turismo. Tem que se lutar para sair da rede. Mas, talvez, seja sempre assim em todas as áreas da vida. Peixes na rede. No turismo - o tempo de lazer de quem foge da organização do dia a dia - decide-se o que temos que ver. Listas. Recomendações. Guias. Agências. Conselhos. Acabamos todos no mesmo. Um intelectual de esquerda. Um fugitivo da policia analfabeto. Uma prostituta. Todos são turistas. Todos são devidamente encaminhados para os mesmos lugares. Escapam-se os que têm falta de orientação e têm a sorte de se perderem. Ou os que procuram coisas que não existem.
Ir a Paris e não ver a torre Eiffel. A Londres e não ouvir o Big Ben. A Lisboa e não acabar na fila dos pasteis de Belém...
Desde quando é que viajar tem que obedecer a regras ? Quando é que nos transformámos em alunos obedientes ?
Gostei mais desta avenida Laikakota, do que a visita às ilhas flutuantes. Mas não a recomendo a ninguém. Cada um por si e dois autos da fé : Guias de turismo e guias de bébés. Outros guias se seguirão, é ter paciência.
Conta coisas da comida, que a malta (também) lê os teus posts à hora de almoço e gosta de sonhar.
ResponderEliminarEm Puno encontramos um restaurante que me fez esquecer os pasteis de bacalhau. Lama salteada com puré de uma batata que nunca ouvi falar, misturada com milho. Os sumos naturais espessos em todas as esquinas : papaia, manga, ananas. A descoberta da minha fruta preferida quase aos 40 anos : a granadilla.
EliminarO refresco chicha morada (uma descoberta para a vida). A melhor limonada de sempre. Saladas à base de pera abacate. Agora fiquei com fome, vou ter que ir comprar uma salteña ali à rua.