Acordámos tarde e com nuvens. Dissemos, a todos os que nos perguntaram, que não queríamos apanhar um táxi para uma aldeia que fica mesmo já ali. O preço parecia-nos exorbitante, visto da China que trabalha.
Ninguém sabia falar inglês, mas também ninguém o esperava. Passamos uns quinze minutos a andar de um lado para o outro a dizer Xizhou como podíamos. Não há autocarros, mentiam os taxistas sem bigode. Hoje não é possível, mentiam os condutores clandestinos, têm que vir comigo. Um policia indicou-nos uma rua que subia, e em cima, apanhamos um autocarro que nos deixou ainda mais em cima. Tínhamos que sair e trocar de autocarro, tentando novamente a nossa sorte com a palavra Xizhou. Quando foi o meu filho a dizer, perceberam à primeira. Ha-de haverum nome para este tipo de preferência descriminatoria. Novo autocarro e seguimos em direcção ao que os nossos amigos de ocasião tinham chamado de uma aldeia "interessante" chinesa.
Ninguém sabia falar inglês, mas também ninguém o esperava. Passamos uns quinze minutos a andar de um lado para o outro a dizer Xizhou como podíamos. Não há autocarros, mentiam os taxistas sem bigode. Hoje não é possível, mentiam os condutores clandestinos, têm que vir comigo. Um policia indicou-nos uma rua que subia, e em cima, apanhamos um autocarro que nos deixou ainda mais em cima. Tínhamos que sair e trocar de autocarro, tentando novamente a nossa sorte com a palavra Xizhou. Quando foi o meu filho a dizer, perceberam à primeira. Ha-de haverum nome para este tipo de preferência descriminatoria. Novo autocarro e seguimos em direcção ao que os nossos amigos de ocasião tinham chamado de uma aldeia "interessante" chinesa.
Chegamos e andamos. Garagens, lojas de ferramentas, drogarias, mercearias. Perguntamos onde era o centro e andamos e perguntamos e andamos. Demos a volta inteira à aldeia e não demos com ele. Uma aldeia chinesa tem forçosamente aspas para um ocidental. Uma aldeia chinesa tem, por exemplo, 40 000 habitantes. Mas mesmo que a nossa ideia de aldeia não seja a realidade que encontramos, vamos encontrar, ao menos, ruas calmas e desertas à hora do cultivo do arroz. E vejam como ficamos reconfortado ao encontrar algo que conhecemos. Sim, estamos numa aldeia, pensamos, satisfeitos.
Sentimo-nos perdidos a cada esquina, mas apetece-nos tanto entrar nas porta entreabertas, que continuamos a avançar no labirinto. Numa das portas de madeira alguém escreveu em inglês, com tinta branca improvisada, que se pode entrar nesta casa bai, por 3 yunnans. Vê-se bem que a industria do turismo chinês ainda não passou por aqui. Suspiramos de alivio. O efeito surpresa das belas casas perfeitamente remodeladas de Dali, está a desaparecer, não queremos ver mais pessoas a comer cupcakes ao pé de uma porta da dinastia Duan, com aspecto novinho em folha. O passado deve parecer passado. Aqui também temos as nossas certezas e ficamos confusos quando não é assim.
Uma senhora vem espreitar, de vez em quando, à porta para ver se algum visitante perdido, como nos, poderá estar interessado em ver a sua roupa a secar ao vento, ou o seu pai sentado numa cadeia de verga. Os visitantes são pessoas estranhas, já se sabe.
Entramos, um patio Bai, um corredor, um outro pátio Bai. Entramos numa casa e perdemo-nos novamente, como se estivéssemos agora numa outra aldeia, dentro de uma aldeia. A desarrumação é omnipresente. Ninguém se ocupa de nos. Ninguém fala inglês. Ninguém se esforça. Podemos andar por ali, como queremos. Não deixo os meus filhos entrar num quarto de criança. A criança não está lá, largou os brinquedos no chão antes de sair para a escola. Valores de propriedade privada devem estar mais presentes em mim do que julgava. Continuamos a deambular nas partes que consideramos publicas, mas não temos a certeza do que estamos a fazer. Avançamos, ninguém nos diz o que podemos fazer, nenhuma corda como nos museus. Sentimo-nos à vontade. Sinto-me sempre em casa, quando estou numa casa desarrumada. Aqui vive-se é já é muito. Já é tudo.
Vimos a roupa estendida, as colchas, as cuecas. As galinhas à solta, os coelhos nas gaiolas. A cozinha com tachos a aquecer. As camas por fazer. Fomos abandonados e abandonamo-nos.
Como uma mosca com permissão.
Lembro-me da minha vida normal. Nem sempre é preciso colocar as aspas na palavra normal. Lembro-me de como vivia, de como sou, na pessoa estranha em que me tornei. De andar sem me aperceber que estava a andar. A cabeça noutro lugar. A curiosidade à frente do écran. A andar de um lado para o outro, sem ter consciência disso. Sem procurar saber mais sobre a pessoa que se senta ao meu lado ou a quem abro a porta. Com receio que a vizinha do segundo andar queira falar comigo de alguma coisa, de ter que fingir pressa, de ter que esconder um tédio dominante. Omnipresente. Não faço ideia de porque é que a China parece-me agora muito mais interessante do que a minha rua, ou o bairro ao lado do meu. Vejo às vezes blogues com fotos de portas comuns, de ruas por onde passamos todos os dias. Não sei o que acorda as pessoas da sua rotina, para conseguirem interessar-se pelo que sempre esta ali ao lado. Eu tive que vir para o outro lado do mundo, uma aldeia onde tudo me é estranho, onde a língua é um mistério, para acordar. Sinto uma súbita pena os viajantes, dos que têm que ir para longe para se admirarem, para abrir os olhos. Quando é que fechei os meus ?
...
Ouve-se uma explosão perto de nos. Uma estudante de belas artes, e os imitadores dos meus filhos, estavam a desenhar uma porta de um templo e deixam cair os cadernos. Não é uma improvável manifestação contra algo, nem uma eminente explosão de produtos altamente explosivos que se armazena aqui como se de arroz se tratasse. A explosão é divina, duas senhoras saíram do templo e colocaram bombinhas num forno para comunicar com os deuses. A comunicação é unilateral, mas bastante ruidosa. A rapariga revira os olhos e quando os tem novamente no lugar, quer ver os desenhos que os meus filhos fizeram, comparam resultados. Apesar da imparcialidade que devemos ter enquanto progenitores, devo aqui admitir que o dela está ligeiramente mais bem conseguido que os dos meus filhos.
Começamos a falar. Não me lembro da ultima vez que tive uma conversa com alguém que não conhecia, quando estava em casa. Muito menos de acabarmos por almoçar juntos. Aos meus filhos costumo sempre dizer que não se deve falar com estranhos. Estou a educa-los como me educaram a mim, vão tornar-se seres perfeitamente integrados na sociedade europeia. E estranhos.
A rapariga leva-nos para um restaurante com ar bastante basico, é estudante em Chengdu e esta chocada com os preços que se praticam nos lugares turisticos. Tem comido sopas de massas instantaneas com as amigas, desde que chegou à provincia de Yunnan. Sentamo-nos e ela vai discutir com a cozinheira o que vai ser o nosso almoço. A conversa dura 5 minutos, ha bastante negociação. Enquanto esperamos, falamos de Paris, a cidade que sempre quis visitar e temos uma lição gratuita de chinês. Ri-se muito quando tento falar, como se dissesse porta de aluminio, quando o que devia dizer era cadeira de madeira exotica. Pensa que faço de proposito. Mergulho no meu cha verde, não entendo o que faço de tão errado assim. Os meus filhos recebem aplausos, um senhor que esta sentado na mesa ao lado, levanta-se e faz parte da lição, pergunta se têm aulas de mandarim em casa. Nado no meu cha entre orgulho de mãe e vergonha de aluna. O Francês safa-se porque é discreto, mas esta convencido que o seu sotaque é melhor que o meu. Francamente não faço ideia.
Nesta altura acredito piamente que quando chegarmos a casa vamos ter aulas de mandarim no XIII arrondissement, o Francês mais pessimista sabe que vamos ser engolidos pela rotina. O momento é agora, consegue dizer apesar da enorme dose de picante que acaba de comer por engano.
Despedimo-nos com grandes abraços, os miudos estão particularmente emocionados com este encontro e falam com grandes exageros sobre a gentileza dos chineses em geral e desta estudante em particular. Dizem-me que deviamos convida-la para vir para nossa casa, para que ela possa visitar Paris.
Não faço ideia de como vai ser a minha vida, quando voltar. Se vou procurar toda a informação queme tem faltado e que me tenho prometido. Se vou continuar a falar com as pessoas desconhecidas que encontro na rua. Se as vou convidar para almoçar, para virem para nossa casa. Ou se vou ficar cinzenta e deixar-me levar pela maré das conversas ocasionais com vizinhos que conheço ha dez anos. Tenho muita curiosidade em saber como me vai mudar este viagem.
Serei suficientemente inteligente para continuar a viagem, depois que esta acabe ?
Sentimo-nos perdidos a cada esquina, mas apetece-nos tanto entrar nas porta entreabertas, que continuamos a avançar no labirinto. Numa das portas de madeira alguém escreveu em inglês, com tinta branca improvisada, que se pode entrar nesta casa bai, por 3 yunnans. Vê-se bem que a industria do turismo chinês ainda não passou por aqui. Suspiramos de alivio. O efeito surpresa das belas casas perfeitamente remodeladas de Dali, está a desaparecer, não queremos ver mais pessoas a comer cupcakes ao pé de uma porta da dinastia Duan, com aspecto novinho em folha. O passado deve parecer passado. Aqui também temos as nossas certezas e ficamos confusos quando não é assim.
Uma senhora vem espreitar, de vez em quando, à porta para ver se algum visitante perdido, como nos, poderá estar interessado em ver a sua roupa a secar ao vento, ou o seu pai sentado numa cadeia de verga. Os visitantes são pessoas estranhas, já se sabe.
Entramos, um patio Bai, um corredor, um outro pátio Bai. Entramos numa casa e perdemo-nos novamente, como se estivéssemos agora numa outra aldeia, dentro de uma aldeia. A desarrumação é omnipresente. Ninguém se ocupa de nos. Ninguém fala inglês. Ninguém se esforça. Podemos andar por ali, como queremos. Não deixo os meus filhos entrar num quarto de criança. A criança não está lá, largou os brinquedos no chão antes de sair para a escola. Valores de propriedade privada devem estar mais presentes em mim do que julgava. Continuamos a deambular nas partes que consideramos publicas, mas não temos a certeza do que estamos a fazer. Avançamos, ninguém nos diz o que podemos fazer, nenhuma corda como nos museus. Sentimo-nos à vontade. Sinto-me sempre em casa, quando estou numa casa desarrumada. Aqui vive-se é já é muito. Já é tudo.
Vimos a roupa estendida, as colchas, as cuecas. As galinhas à solta, os coelhos nas gaiolas. A cozinha com tachos a aquecer. As camas por fazer. Fomos abandonados e abandonamo-nos.
Como uma mosca com permissão.
Lembro-me da minha vida normal. Nem sempre é preciso colocar as aspas na palavra normal. Lembro-me de como vivia, de como sou, na pessoa estranha em que me tornei. De andar sem me aperceber que estava a andar. A cabeça noutro lugar. A curiosidade à frente do écran. A andar de um lado para o outro, sem ter consciência disso. Sem procurar saber mais sobre a pessoa que se senta ao meu lado ou a quem abro a porta. Com receio que a vizinha do segundo andar queira falar comigo de alguma coisa, de ter que fingir pressa, de ter que esconder um tédio dominante. Omnipresente. Não faço ideia de porque é que a China parece-me agora muito mais interessante do que a minha rua, ou o bairro ao lado do meu. Vejo às vezes blogues com fotos de portas comuns, de ruas por onde passamos todos os dias. Não sei o que acorda as pessoas da sua rotina, para conseguirem interessar-se pelo que sempre esta ali ao lado. Eu tive que vir para o outro lado do mundo, uma aldeia onde tudo me é estranho, onde a língua é um mistério, para acordar. Sinto uma súbita pena os viajantes, dos que têm que ir para longe para se admirarem, para abrir os olhos. Quando é que fechei os meus ?
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Ouve-se uma explosão perto de nos. Uma estudante de belas artes, e os imitadores dos meus filhos, estavam a desenhar uma porta de um templo e deixam cair os cadernos. Não é uma improvável manifestação contra algo, nem uma eminente explosão de produtos altamente explosivos que se armazena aqui como se de arroz se tratasse. A explosão é divina, duas senhoras saíram do templo e colocaram bombinhas num forno para comunicar com os deuses. A comunicação é unilateral, mas bastante ruidosa. A rapariga revira os olhos e quando os tem novamente no lugar, quer ver os desenhos que os meus filhos fizeram, comparam resultados. Apesar da imparcialidade que devemos ter enquanto progenitores, devo aqui admitir que o dela está ligeiramente mais bem conseguido que os dos meus filhos.
Começamos a falar. Não me lembro da ultima vez que tive uma conversa com alguém que não conhecia, quando estava em casa. Muito menos de acabarmos por almoçar juntos. Aos meus filhos costumo sempre dizer que não se deve falar com estranhos. Estou a educa-los como me educaram a mim, vão tornar-se seres perfeitamente integrados na sociedade europeia. E estranhos.
A rapariga leva-nos para um restaurante com ar bastante basico, é estudante em Chengdu e esta chocada com os preços que se praticam nos lugares turisticos. Tem comido sopas de massas instantaneas com as amigas, desde que chegou à provincia de Yunnan. Sentamo-nos e ela vai discutir com a cozinheira o que vai ser o nosso almoço. A conversa dura 5 minutos, ha bastante negociação. Enquanto esperamos, falamos de Paris, a cidade que sempre quis visitar e temos uma lição gratuita de chinês. Ri-se muito quando tento falar, como se dissesse porta de aluminio, quando o que devia dizer era cadeira de madeira exotica. Pensa que faço de proposito. Mergulho no meu cha verde, não entendo o que faço de tão errado assim. Os meus filhos recebem aplausos, um senhor que esta sentado na mesa ao lado, levanta-se e faz parte da lição, pergunta se têm aulas de mandarim em casa. Nado no meu cha entre orgulho de mãe e vergonha de aluna. O Francês safa-se porque é discreto, mas esta convencido que o seu sotaque é melhor que o meu. Francamente não faço ideia.
Nesta altura acredito piamente que quando chegarmos a casa vamos ter aulas de mandarim no XIII arrondissement, o Francês mais pessimista sabe que vamos ser engolidos pela rotina. O momento é agora, consegue dizer apesar da enorme dose de picante que acaba de comer por engano.
Despedimo-nos com grandes abraços, os miudos estão particularmente emocionados com este encontro e falam com grandes exageros sobre a gentileza dos chineses em geral e desta estudante em particular. Dizem-me que deviamos convida-la para vir para nossa casa, para que ela possa visitar Paris.
Não faço ideia de como vai ser a minha vida, quando voltar. Se vou procurar toda a informação queme tem faltado e que me tenho prometido. Se vou continuar a falar com as pessoas desconhecidas que encontro na rua. Se as vou convidar para almoçar, para virem para nossa casa. Ou se vou ficar cinzenta e deixar-me levar pela maré das conversas ocasionais com vizinhos que conheço ha dez anos. Tenho muita curiosidade em saber como me vai mudar este viagem.
Serei suficientemente inteligente para continuar a viagem, depois que esta acabe ?
ah, que orgulho!!!! mesmo que te tornes cinzenta andas às voltas com uma questão que sempre me importunou nos viajantes que é essa coisa de gostatem muito das gentes do mundo e não suportarem os vizinhos do lado (não digo os de cima, ou de baixo, porque esses às vezes são chatos). Vai saber-te bem regressar às velhas rotinas com esse novo olhar.
ResponderEliminarah, que orgulho!!!! mesmo que te tornes cinzenta andas às voltas com uma questão que sempre me importunou nos viajantes que é essa coisa de gostatem muito das gentes do mundo e não suportarem os vizinhos do lado (não digo os de cima, ou de baixo, porque esses às vezes são chatos). Vai saber-te bem regressar às velhas rotinas com esse novo olhar.
ResponderEliminarEspero bem que tenhas razão. Hoje meti conversa com uma pessoa que não conhecia e que deve ser minha vizinha, a uma ou duas ruas de distância. Fi-lo por uma questão meramente experimental. Foi estranho. Da proxima vez levo uma maquina fotografica, se calhar, preciso de adereços, para me sentir ligada mais à humanidade.
EliminarPor onde andas, Carla? :)
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