Lijiang, o mesmo mês de Maio
Acordámos às 6h da manhã, para fugir da realidade. Ou de um certo tipo de realidade, que muitos nos querem impor como inevitável. Que muitos vivem, como se fosse a única. Como se não vivêssemos em múltiplos universos paralelos, ou como se a vida se encerrasse numa só forma, e acabasse numa só saída. Não é assim, basta, por exemplo, acordar às 6h. Ou levantar a cabeça.
Lijiang tem as mesmas casas e ruas que aparecem na internet ou no site da Unesco. São bonitas, têm história, parecem perfeitas. As cores, os materiais, as formas, as sombras. Podem emocionar, podem levar-nos ao século XII, ao tempo da antiga rota do chá e do cavalo. Mas, tem que se saber contornar a tal realidade. A realidade das lojas que nos querem vender tambores, bonecos de madeira feitos numa fábrica chinesa - que por uma vez, quase que é local - doces, fritos, roupas, "coisas". A realidade dos bares de karaoke quando acaba o dia. A realidade dos autocarros de turistas que seguem guias, a partir das 9h. Deve ser isto a industria do turismo e do progresso, que faz sonhar tanta gente. Os que vendem, os que compram. As wishlists. A realidade de um dia normal. Aspas aspas. Faz-se uma viagem, até ao outro lado do mundo e querem-nos vender "coisas". Não somos os únicos, solidariedade seja dita. Milhares de chineses, que trabalharam todo o ano, para estas férias, viajaram também de longe, passeiam-se como na hora de ponta no metro e, a eles também, querem vender-lhes "coisas". Uns compram, outros não. Todos tiveram que viver no meio da realidade.
Desta.
Não vou há algum tipo a Lisboa, a cidade que me faz sonhar quando me sinto longe de casa. Chegam-me relatos, neste correio que é a internet, das casas que se alugam apenas aos turistas, da venda das coisas tipicas, e não consigo evitar de estremer ao ver em Lijiang o futuro da cidade mãe. Vendida. Feita para vender. Muito bonita.
Ainda quero voltar a Lisboa. Espero que esta vontade nunca mude.
Em Lijiang, acordámos, portanto, às 6h. As lojas estavam fechadas e as ruas vazias. A luz era rasante, o ar fresco e, finalmente, percebemos o que viemos aqui fazer. Existem muitas palavras para explicarem ao que viemos, mas simplificando, viemos aqui para nos emocionar. Para nos sentirmos tocados.
Os mais distraídos, dirão que viemos aqui para viver.
Quando todos estão a dormir, vemos o homem que vai levar mercadorias às lojas fechadas, vai de bicicleta, não parece ter pressa, não sorri. Vemos a mulher vestida tradicionalmente, como as mulheres Naxi, não se espanta por nos ver, como fazem os turistas. Ela está ali a viver a vidinha, nas horas em que pode - que a deixem em paz. Ainda não se perdeu na multidão, que vai acordar dentro de uma hora. Vemos os cães errantes, percebemos as ruas empedradas que acompanham a geografia do lugar. Vemos as casas fechadas, que ainda não nos mostram tudo o que não precisamos e que podemos comprar.
Tiramos fotografias lindíssimas, fora deste tempo, mas sentimo-nos sempre intrusos. Estamos num décor de um filme, e o realizador ainda não gritou acção. Movimentamo-nos numa fotografia.
Fomos muitas vezes distraídos. Em viagem, mas sobretudo no dia a dia. Distraídos por uma realidade, que acreditem, nem sequer é a nossa. Lembro-me que tudo começou há mais de dez anos, no monte Saint Michel, na Normandia. Tinha sonhado com aquele lugar, acreditando nas lendas e imagens que me chegavam pelos guias de viagem. Quando finalmente me encontrei lá, nada se passava dentro de mim. Porque se passava tanta coisa, fora. Lojas, bichebeques, bolachinhas. Muitos turistas, muito dinheiro a ganhar. Culpava-os, mas não os culpo mais. Existe dinheiro a circular, é essa esta realidade. Agora, quando me lembro, levanto a cabeça e olho para além do presente, vejo ao que vim. Espero lembrar-me muitas vezes.
Se pensar bem, a felicidade, a escolha da nossa realidade, é uma questão de inteligência.
Não posso mudar o mundo em que vivo, mas posso olhá-lo de outra forma.
Escolher a realidade onde quero viver. Pode parecer esquizofrénico.
Prefiro chamar-lhe sobrevivência.
Lijiang é muito bonito, com muitas historias que não me conta, mas que posso tentar adivinhar.
Mas hoje, é difícil acreditar que quererei aqui voltar, um dia.
Faz falta que alguém invente uma palavra para as saudades de sítios onde não estivemos mas a Carla R. esteve lá por nós. Estas coisas não se lembram eles de inscrever nos programas partidários e depois ainda estão à espera que vamos votar.
ResponderEliminarAhahaha !
Eliminar(Olha da-me uma procuração que eu voto por ti. Tudo numa base muito democratica, claro, claro).
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