Saímos do autocarro no meio da autoestrada. Do lado de fora, dois homens gritam Lao, Lao ! Dois minutos depois, o autocarro segue, com dois turistas dentro, à toa sem saber se deviam ter saído ou não. Os que tinham saído estavam com a mesma cara. A nossa cara. 50 baths. 50 baths. Imigration border ? Seguimos num tuk tuk, com um coreano e dois canadianos. It must be this.
Na fronteira, fui a que pagou mais para passar. Passaporte português oblige. Outro tuk tuk. How much for the bus station ? Alguns mil kips. Pagamos e faremos o câmbio depois, partilhamos o tuk tuk, com quem também não é forte em câmbios. It must be ok. Separamo-nos com votos de boa continuação de viagem, eles vão descer o Mékong, nos vamos subir as montanhas. Ficámos com vontade de andar e de visitar as aldeias remotas, as étnias minoritarias. Na Tailândia, havia tantos turistas, tanto comércio, tantos intermediarios, que receamos uma experiência estranha, de exploração de camponeses e turistas e grandes somas de dinheiro para quem tem bolsos grandes. Sempre os mesmos. Fomos alertados, ainda antes de começarmos a viagem, para a estranha e perversa situação das mulheres-girafa Karen. Fugiram da guerra na vizinha Myanmar e agora vêem-se sem papeis e à mercê de homens, que as transformaram na principal atracção de um parque de diversões. Ultimamente, os nossos dias têm passado a tentar adivinhar o que esta à volta de cada oferta.
Safaris humanos. Maus tratos a elefantes, em parques que se dizem ecológicos. Esquemas e estratégias pouco claras, de quem sabe o que os turistas querem ouvir. Todos queremos ter a consciência limpa. Muitos não se importam de a sujar - há tanto dinheiro a ganhar. Como não somos mais espertos que os outros, temos dito que não. E esperamos que no Laos, consigamos ver de uma forma mais transparente.
Chegamos à estação de autocarro duas horas antes do tempo. Vamos comer à banca mais próxima.
A musica está alta. A dança ainda mais : em cima das cadeiras, das mesas. Nesta tarde de domingo, parece que aterramos numa espécie de festa de fim-de-ano dos santos populares, onde tudo é permitido. Especialmente a liberdade dos décibeis. Temo pelo aparelho auditivo deste simpático povo. Um homem muito parecido com o Vasco Palmeirim vai mudando as musicas. com uma resposta bastante efusiva das mulheres do restaurantes. Todas as três estão delirantes. Apenas uma, continua sentada a comer a sua lao noodle soup. O sósia não se conforma, vai falar com ela, insiste, mas nada, ela está ali para comer. Não há nada a fazer. E assim como assim,estamos num restaurante. Penso que se este homem tivesse uma projecção radiofonica nacional, talvez tivesse mais sucesso e sugiro-lhe que se lance numa carreira radiofonia, acho que tem jeito. Ri-se muito e aumenta o volume. Acho que vai pensar no que lhe disse.
Eu, no que possa ajudar a humanidade, faço o que posso.
No autocarro de sanefas cor de rosa, saidos de uma sala de uma bisavó solteira, temos que tirar os sapatos para entrar. Um jovem local, com um inglês melhor que o meu, pergunta-me de onde venho, para onde vou e porquê. E em troca das minhas respostas, pergunto-lhe o que raio se passa hoje. Responde-me que é uma grande festa, que é o dia da mulher. Estranha a pergunta e informa-me que também se festeja no meu pais. Digo-lhe que não é bem assim, que também é hoje que é o dia da mulher, mas que nem toda a gente tem vontade de dançar e beber cerveja nesse dia em particular. Acrescento que para mim até é um dia muito triste, porque me lembra que no pais de onde venho, as mulheres têm menos direitos que os homens, que ganham menos e que trabalham mais, que as tarefas domésticas são quase todas para elas, que há muita violência doméstica contras as mulheres e que nem sempre são respeitadas na rua. Olha-me com pena de mim, faço-lhe um sorriso e digo-lhe rapidamente que tenho esperança que as coisas melhorem em breve, não vá ele ter vontade de me adoptar ou coisa que o valha.
Por volta das 22h, o autocarro cor de rosa pára e julgamos ouvir o nome da paragem onde queremos sair, tentamos não pisar nos turistas que dormem no corredor e saímos sem ter a certeza que estamos a fazer bem. Acreditamos que sim, porque as nossas mochilas estão no chão. Existe muita eficácia na rodoviária asiática, parecendo que não.
Um motorista de tuk tuk pergunta-nos onde queremos ir e diz-nos um preço. Enquanto eu faço conversa para ganhar tempo, o Francês tenta encontrar alguém que lhe diga a quantos kilometros estamos do sitio onde queremos ir. Mais uma vez, estamos no meio de uma autoestrada, com pouca escolha : 12 kilometros. Subimos para o tuk tuk e dizemos adeus a três valentes franceses que vão fazer o caminho a pé. Há lugar para nos na guest house que queríamos, pousamos as mochilas e vamos à procura de comida. No restaurante ao pé, há tantos franceses que quase nos sentimos em casa, que é algo que não queremos. Ainda só estamos longe há seis meses, ainda é muito cedo para isso. Procuramos o night bazar. Está meio fechado, vamos para a metade que está cheia. Estão todos bêbados, mas a atmosfera é amigável. Ah, as maravilhas do dia da mulher ! Tang, vai tratar de nos, chegou de Vintiane há dois dias e está muito contente por ver estrangeiros no Laos, eu memorizei bem esta frase porque a ouvi 20 vezes. Gostamos muito de Tang à primeira vista : a cozinheira não fala inglês e graças a ele conseguimos comer uma sopa menos picante do que nos estava fatalmente destinada. Tang está mesmo feliz de nos ver aqui. 21. E nos estamos felizes de o saber feliz.
O que eu gostava de saber é porque é que os outros viajantes conhecem nativos que lhes explicam a cultura do pais e lhes ensinam a falar a língua nativa, ou, a cozinhar pratos típicos e a mim calham-me simpáticos e tocados jovens que me convidam a drink one beef, one bear, one beard, one beer nas noites em que tudo o que quero é ir dormir.
Mas não me vou começar logo a queixar, a Laobeer promete e hoje foi apenas o nosso primeiro dia, no Laos.
Então, olhos verdes, cabelos loiros encaracolados, 170 cm ou assim, hão-de ter as suas desvantagens :)
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