8.12.12

Sou coxa, já vos tinha dito


A mil e oitocentos quilómetros de distância, Portugal é um país afundado, habitado por uma população revoltada, um governo surdo e uma oposição quase muda. A ruptura vai ser amanhã, mas vocês não vêem as notícias ?
...
Uma viagem de avião depois, num café num Campo de Ourique aconchegante e de boas famílias, as árvores estão enfeitadas de bonitas decorações de Natal, as lojas são apelativas, às vezes até parecem saídas de importantes capitais europeias. Londres, Paris, Estocolmo. O negócio é prospero, obrigada, sim claro, a crise, mas felizmente vai correndo bem. Os sacos estão cheios, mas consegue-se carregar, deixe estar. 
Claro que ainda se vêem prédios com janelas fechadas com cimento, algumas habitações precárias e um mendigo que teima em pedir uns trocos, para almoçar ali na esquina. Mas o que é isso para a gente ? As luzes estão realmente magníficas. Que bela ideia esta, deste franchising.
...
Depois de uma agradável travessia no Tejo, a luz continua como só aqui, este rio tira-me o fôlego, e o clima pede mangas de camisas. Sou uma emigrante deslumbrada, bem vindos aos subúrbios onde eu vivi quinze anos. O bairro dormitório fervilha às onze da manhã, os reformados e as pessoas do costume estão mais acompanhadas do que nunca e as obras na avenida são vigiadas de perto por uma multidão de curiosos. Grande parte estão activos, à procura de trabalho. Que não encontram. Que receiam não encontrar tão cedo. Outros trabalham, mas não recebem, existe muito quem se ande a fazer de esquecido. Todos já se levantaram cedo para experimentarem a fila do centro de emprego de Almada. Bolas, que às sete da manhã faz mais frio. Todos conhecem alguém que está a passar fome no prédio ao lado. Todos sabem que a família vizinha precisa de roupa para este Inverno. Todos conhecem as dificuldades que aquela mãe solteira está a ter para pagar a renda da casa, o senhorio é simpático, mas também não é a santa casa. Não existe muita ostentação nos subúrbios de onde eu venho. Assim de repente não me salta aos olhos grande coisa de luxos ou excessos.
Talvez seja outro Portugal.
Existe o Portugal de Campo de Ourique e o Portugal da margem sul. Qualquer coincidência entre eles, é pura excepção.
Só não percebi muito bem ainda, onde é que se quer chegar.
O chão é de cimento por estas bandas, mas alguma coisa se há-de arranjar.

21 comentários:

  1. Bom olha, bem podias ter ido visitar a minha lojica que apesar de ser em CO está necessitada de clientes. Eu que estou por cá (com lojica em CO e a morar na margem sul) não me parecem tanto assim as realidades... mas enfim, é um ponto de vista.

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    1. Sabes que estive na tua lojinha no mercado ? É muito bonita, e está cheia de coisas que apetecem levar para casa, só foi pena tu não estares lá.

      Claudia, não sei qual é a tua margem sul, mas mesmo em tempos ditos normais sempre houve bairros mais ricos que outros, e o CO é um deles. Sempre foi. Nestas alturas, as diferenças são maiores, nem tem comparação. Sei que existe em CO pessoas a passar por dificuldades, isso vê-se, mas nos suburbios as dificuldades estão em todo o lado, é mais visível, consegue-se tocar. Não há esperança. A classe média está a dar lugar à classe pobre a uma velocidade avassaladora. Ir a um bairro e depois ir a outro da-te uma impressão que mudaste de país. De continente. Não é um ponto de vista, é uma realidade palpável. São dois mundos diferentes. Ouve-se conversas de quem não tem dinheiro para os transportes para irem às entrevistas, como estão longe dos centros, estão muito mais isolados.

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    2. Eu sei que existem essas dicotomias, mas calhou-me logo na rifa eu sentir precisamente o contrário nestas duas realidades :) Em CO eu esforço-me para sair da "crise" e perto de casa (no Montijo) irrita-me um bocadinho aquela gente toda no shopping a gastar o dinheiro que nem sempre têm.
      Mais do que crise estamos a regressar ao passado, passo a passo estou cada vez mais próximo da realidade com que passei a minha infãncia. Não tarda andam a arrombar os depósitos dos carros para roubar gasolina e a assaltar velhinhos à porta dos correios... e obrigada pela visita :)

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    3. Deve-se então concluir que a tua loja venderia mais num centro comercial do Montijo ? Talvez. O dinheiro anda mal distribuido, mas ainda se encontra um pouco por todo o lado.
      E olha que essa dos velhinhos assaltados à porta dos correios, ja foi feita.

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  2. Às vezes parece que quem decide também não conhece as duas ou mais realidades deste país... Durante muitos anos fartei-me de franzir o sobrolho aos excessos de consumismo mas agora quando ouço "andámos a viver acima das nossas posiibilidades" pergunto-me Quem?, porque eu não fui, e tantos não foram.

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    1. Faz-se uma enorme confusão entre quem não sabe viver com o que tem (ou tinha) e com quem nem sequer tem. E esta falta de noção de realidade é escandalosa. Mas nem sei o que se pode fazer mais, está à vista, é gritante, só não vê quem não quer. Mas a continuar assim, vai ser cada vez mais difícil tapar o sol com a peneira, porque as dificuldades dos outros a aumentarem vão acabar por bater-lhes à porta.

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  3. Estou farta de pensar nisso, no que significa esta crise, em quem está a sofrer, a sério, com ela, mas dou por mim sem perceber nada. Se calhar porque voltei para Campo de Ourique e em Campo de Ourique é fácil acreditar que está tudo bem.

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    1. Acredito que seja mesmo muito difícil de perceber a crise quando ela está longe. Ou parece longe. Hoje estive no Chiado, e tudo estava a correr às mil maravilhas. Mas estou convencida, que estive a passear num oásis.

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    2. Aqui o perceber quer dizer entender. Ou seja eu não entendo a crise, não entendo as razões que nos dão, nem o significado que tem na vida de cada um de nós (poupar para uns é viajar em económica, para outros é jantar fora menos vezes e para muitos é não comer uma refeição), mas sinto-a todos os dias, claro, como toda a gente. Ou melhor, como toda a gente que depende de um salário (de um bom salário, tendo em conta o salário mínimo nacional) para pagar um tecto, a comida do supermercado e alguns luxos, designadamente a educação dos meus filhos e as taxas moderadoras.

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    3. Não entendo nada das razões que nos dão para esta crise, aqui não te posso ajudar que estou tão perdida como tu. Cheira-me a interesses privados a passar por cima de interesses públicos, cheira-me a manipulação, cheira-me a egoísmo. Mas não sei a que escala. Toda a gente sabe de um caso ou outro de corrupção em que alguém ganhou milhões, de impunidade total, mas parece que não é nada connosco... (?)
      Em relação ao nível de vida a baixar, é normal, numa situação de crise mundial assim, tem que se modificar o comportamento e o consumo, é normal. O que não é normal é não pensarmos mais nessa parte da população para quem a crise corta o essencial, é a indignação vir pela porta das viagens ou dos jantares em restaurantes caros que se cortam, porque nos tocam pessoalmente, e não pela fome do vizinho. Bolas, o umbigo nem sequer é a parte mais bonita do corpo humano.

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  4. (da próxima vez que vieres a Campo de Ourique, liga-me, sim?)

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  5. Não há, em qualquer lugar do mundo, essas disparidades que aqui bem narras? Sim, talvez neste Portugal estendam-se mais que em qualquer outro lugar no mundo.

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    1. Existem em todos os lados. Em sociedades mais responsáveis olha-se para a realidade e tenta-se diminuir as desigualdades, noutras em que se olha mais para o umbigo, não se preocupa com o sofrimento dos outros. Até que nos bata à porta.
      Mas neste momento existem muito mais separação entre os dois mundos, em Portugal, do que há dez anos e preocupa-me. E, entre nós, que ninguém nos ouve, com os problemas dos outros países posso eu bem. Mas com os dos meus amigos, com os dos meus vizinhos, com os dos meu bairro, com os do meu país, sinto-me mais próxima e mais preocupada.

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  6. Ah, não resististe ao apelo do pão-de-deus!
    As diferenças entre bairros sempre existiram. Se queres que te diga, o que me tira os apetites (até para o pão-de-deus) é o facto de cada vez mais ser intransponível a passagem de uma margem para a outra. O nosso país está a transformar-se num arquipélago.

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    1. Caraças pá, estive na Padaria do Chiado e o pão de deus estava esgotado. Mas olha que o bolo de limão não é mau.
      Sempre existiram, sempre existirão, não é essa a questão. Mas não só o rio está cada vez mais intransponível, tens razão, como muito mais longe. Uns de um lado e outros do outro, sendo que os outros são cada vez mais e estão cada vez pior.
      E custa-me muito que se emita juízos de valor sobre situações que não se conhecem e são tão fáceis de se conhecer. O bairro onde vivi era uma bairro de classe média, uma família fazia a sua vidinha normalmente, uma viagem ao estrangeiro uma vez por ano, uma ida ao restaurante uma vez por mês, carros médios, roupas razoáveis: Não se vivia a cima das possibilidades, a prova é que todos os lares que conheço faziam poupança. Fazer poupança não é sinónimo de equilíbrio financeiro? Vivia-se de acordo com as possibilidades. Mas agora, no mesmo bairro, uma família que está a começar a vida está mais precária, não há emprego, os salários são mais baixos, os empregadores nem sempre pagam a horas. Como é que a crise não estaria a afectar os mais frágeis ? Os que não têm dinheiro de família, que perderam o emprego ou que estão em situações precárias ? Os que vivem em bairros da periferia onde os cinemas fecharam, as lojas estão às moscas, os transportes públicos estão caríssimos, a iluminação à noite na rua não existe para se poupar, etc, etc.

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  7. Também não entendo aonde se quer chegar ou se vai deixar chegar. A corda vai sendo esticada, sempre mais um pouco, aqui e ali vai rebentando e vai-se remendando como se pode. Cada um à sua maneira. Para uns é deixar de ir jantar fora, para outros é assaltar uma casa para esvaziar a despensa e o frigorífico e dar de comer aos filhos (contou-me uma amiga da margem sul que aconteceu já várias vezes lá no bairro). Mas passa num qualquer centro comercial ao sábado à tarde e verás quanta gente anda a fingir que dá a volta à crise. É um caminho mau, este que se está a seguir, e espero todos os dias que o chão onde temos que bater não esteja ainda muito mais abaixo (é uma expectativa triste).

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    1. Uns andam a fingir, outros ainda tem dinheiro e outros sempre o vão ter. Essa prespectiva triste acredito, infelizmente, que seja realista. Principalmente se não se mudar de rumo.

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  8. Portanto...também viveste em Almada :) estou a ver... vai na voilta e já nos cruzámos, mesmo!

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    1. Vai na volta fomos vizinhas e comemos bolos no mesmo café.

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  9. Quem sabe. Como costuma dizer uma amiga: este país é um penico! E de facto parece que sempre alguém que conhece alguém que...

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