15.5.12

15 horas em ponto



Por vezes, tenho pena de não ter tido um blogue quando vim viver para Paris. Em 2003, tudo era excitante, genial, novo. E, acima de tudo, possível. 
Alerto-vos, que a frase que vão ler a seguir pode lembrar alguns floreados das edições Arlequim, mas a verdade é que Paris deitou muitas achas à fogueira onde queimava a minha paixão e, estou aqui, estou ali a comprar um cadeado. Antes que comece a escrever que a paixão se transformou em amor, adormecendo-vos profundamente, renovo a minha vontade de explicar porque é que ainda se está mesmo muito bem em Paris. Já, ameacei fazê-lo. Ninguém ligou. Mas desta vez, é vez. Por isso, avanço, descontraidamente, chinelo no pé e sem pressas, para os cais do Bassin de la Villette, longe do chique de Saint-Germain de Prés e dos turistas da Torre Eiffel :

São 15 horas de um domingo solarento. Nas mesas de ping pong, uns asiáticos estão a ganhar largamente a uns europeus, a uns americanos e a uns africanos. Genética ou treino, não sei, mas aqui, definitivamente, são eles que mandam nisto. No parque infantil, cruzamos o presidente do Groland*, um reino fictício, que parodia a actualidade francesa, e que está  neste momento na sua tarefa mais dificil : tentar que a filha não caía do escorrega. Este parece ser o seu território. Nos carros e scotters estacionados, estão colados autocolantes deste "país", a comprovar que existem muito grolandeses nas redondezas. 
Nos barcos encostados, pode-se assistir a peças de teatro infantil de manhã, comer tartines e crepes que devemos ir buscar ao bar ao meio dia, e à noite assiste-se a concertos. Enquanto os meus filhos estão entretidos em entornar os sumos, podemos ouvir uma ideia fantástica para acabar com a fome em Africa, exposta na mesa do lado. Estamos tão perto uns dos outros que temos a impressão de fazer eternamente zapping ao vivo. A minha parte voyeur fica ao rubro.
Em terra firme, duas mulheres fazem tricot, é outra vez, dia da arte ao ar livre e tentam angariar adeptos para as ajudar a vestir uma pobre árvore de uma camisola tricotada feita à medida. Há sempre alguém a pintar uma aguarela ou a fazer discursos em cima de qualquer coisa, normalmente à frente de um dos muitos cartazes que apelavam a votar no Front de Gauche
Do outro lado da ponte, onde juro que vi o filho de François Hollande, vamos buscar cadeiras e bolas para jogar à petanque ao barOurcq, é self service, completamente à confiança. A minha filha aproveita este clima de boa vontade para mostrar a sua faceta de batoteira e insiste, porque insiste, que a sua bola ficou mais perto da bola verde. Bloqueio num conflito interior, entre o orgulho e a vergonha de lhe ter passado esta parte da minha personalidade. A equipa adversária, dá por finalizada a partida, alegando não haver condições para se continuar. Por mim, tudo bem, duas partidas são mais do que suficientes, só mesmo um bobo* ou um reformado da bretanha ou do país basco para aguentar uma tarde inteira disto.
Improvisam-se picniques com os pés do lado do rio e ouvem-se conversas artístico-intelectuais seríssimas  :
-O meu sonho era ganhar um prémio nobel da literatura 
- Ah, bom ? Tu escreves ?
- Não, mas toda a gente diz que tenho um talento louco.

Ah ! O que seria de mim sem este neo-frou frou ?     

bourgeois-bohème, uma espécie francesa derivada de um cruzamento de hippies com hipsters, irmãozinhos dos yuppies.

7 comentários:

  1. Que vontade de ir a essa tua Paris!
    (tens a certeza que existe?)

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  2. Será que pelo facto de estarmos noutra cidade e noutro país que não o nosso, temos mais apetência para desfrutar de tudo o que de melhor há, sem sabermos até quando o poderemos aproveitar? Apesar de toda a gente me chamar maluca e me olhar de soslaio quando anunciava que vinha morar para Marrocos, a verdade é que também se está muito muito bem em Tanger :)

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  3. E ainda não viste nada, Helena ! Existe, mas esconde-se dos turistas, não é como a tua Berlim, que dá tudo de mão beijada. Hei-de voltar à carga !

    Nos primeiros anos, pelo menos, sem dúvida, conheci e aproveitei mais Paris que os próprios parisienses. Ainda hoje, se querem saber onde é não sei quê, ou como é que se vai não sei para onde, perguntam-me a mim, à portuguesinha da margem sul. Na palma da mão !

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  4. Verdade, verdadinha, qualquer cidade (principalmente as europeias) resplandece quando chega o bom tempo. Com a Primavera, estava capaz de me mudar para Oslo, Munique, Dublin, Estrasburgo, Bolonha, imagino que até Riga.

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  5. Espera antes pelo Verão, por aqui, voltou o Outono, andava optimista, mas voltou a cair granizo. Isto não é para meteorosensíveis, Gralha, vai por mim.
    Bolonha, no máximo, ainda te pode safar. Ja pensaste nas ilhas gregas ?

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  6. Sem querer dar-me a ares de grande "coisa", aqui por Lisboa, a algarvia também sente que vive muito mais a capital que os próprios alfacinhas... e as nossas esplanadas, perto e longe do Tejo, também são muito, mas muito boas!
    Ainda hoje, no duche (imagina!), pensava... já cá estou há mais de 20 anos, se calhar já sou mais alface que marafada :(
    Mas, eu adoro Lisboa, e se me deixassem, gostava mesmo era de morar no Chiado, ou em Alfama, sentar-me nos beirais das portas, com o novelo da linha na mão, à conversa com a vizinha do lado, e vêr passar os turistas que perguntam - onde é que se come aqui bem?
    Ai, se me deixassem... :)

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  7. Começa aqui a esboçar-se a tal teoria do semi nomadismo, uns anos em cada cidade, a acabava-se o spleen, andavamos todos a aproveitar o que se tem e a vestir o tal vestido de domingo. Ah ! Nada como ser uma boa marafada para se ser uma excelente lisboeta !
    Eu também adoro Lisboa, e também se me deixassem ... Ah ! Se me deixassem !!
    ;)

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