7.11.25

Fúrias

Fui furiosa durante um período de tempo, no início da minha vida adulta. O meu alvo preferido eram machistas, homens e mulheres, racistas essencialmente brancos e pessoas privilegiadas, quase sempre de direita que não entendiam as dificuldades de quem não tinha nascido com o traseiro virado para a lua. Pessoas que confundiam meritocracia com heranças de família. Fast and Furious.

Com o tempo, comecei a ficar sem paciência. Afastei-me de quem não pensava como eu nesses campos, não me é interessante discutir o que para mim é óbvio. Pode parecer snob, mas é só preguiça e falta de esperança, sei que quem ainda pensa dessa forma, não fez um esforço intelectual mínimo para entender o mundo que o rodeia, ou então está com a dose de má fé necessária para continuar a ter a vidinha que tem às custas de outros. 

Alguém sem a moral ou a honestidade intelectual que agora exijo a quem quer privar comigo. "Exigir" é uma palavra forte, talvez a substitua mais tarde com "só consigo ficar respirar ao pé de... se..." 
Não quero com isto dizer que só falo com quem pensa como eu. Nada disso, adoro mudar de ideias, assim como gosto particularmente quando faço alguém reconsiderar um argumento. Só não o faço em questões fraturantes. E não são tantas assim, estão apenas muito presentes. Existem certas opiniões sexistas, raciais ou de classe que me mostram que ali não vou ganhar o meu tempo, no melhor dos casos ou, no pior, vou acabar a explicar a minha reacção a um senhor policia de segurança pública que, entretanto, alguém chamou anonimamente. 
Então, lá deixei de dar boleia a uma pessoa que era contra o aborto (de outras mulheres), já deixei de ir a almoços onde se come muitíssimo bem, mas onde se diz mal de emigrantes.
A minha fúria retira-me pessoas da minha vida e motiva-me na hora de colocar a cruz no boletim de voto.

Mas, e aqui entra a dolorosa realidade, eu sei que estamos em tempos de cólera, e que nem sempre se vai a bom porto só com amor, ou, no meu caso, distância. Em tempos como os de agora, a cólera tem de mudar de campo. Não é só a vergonha. A cólera é necessária para mudar o status quo. O tal vulcão. Precisamos de uma nova revolução. Precismos de nos zangar alto. Precisamos colocar um fim a este descalabro. O povo dos brandos costumes tem que acordar. Que volte a ser sexy a contestação e o poder na rua! 

PS: Fiquei tão feliz com a vitória de Mamdani como se fosse nova yorquina. Ontem foi um dia sem fúria, um dia raro em 2025.


No colectivo Largo, a Rita Maria já se enfureceu também hoje.

24.10.25

Máscara

Adoro máscaras. A hipocrisia tem má e injusta reputação. O cimento da vida civilizada entre humanos são as mentiras brancas. Tenho saudades de quando não se dizia à boca cheia o que agora se grita e se vota. Ainda não há muito tempo estava convicta que estávamos a avançar enquanto humanidade. Acreditava piamente que a partir dali era sempre a subir. Tive filhos por pensei que o seu futuro seria cheio de portas abertas, felizes acontecimentos e muita luz. Pari porque achava que a vida deles ainda seria melhor que a minha, pela qual sou já bastante grata, de resto.

Lembro-me com carinho das tardes passadas a rir no escritório entre colegas que só com mentiras suportava e era tolerada. 

Sonho com aquele dia de Verão em que ficámos na praia até tarde para ver o pôr do sol e ele me respondeu que não tinha celulite. Amo que me mintam para serem agradáveis comigo. A realidade não me interessa nada. A vossa verdade absoluta, muito menos. 

Usem máscaras por motivos sociais, psicológicos, higiénicos. Usem máscaras pela beleza do gesto. Usem máscaras para que isto corra bem.

Finjam, por favor. Enganem-me por caridade. 

Lie to me, lay with me.


Outras plumas do colectivo Largo já escreveram sobre o tema da semana :

17.10.25

Pulso

O meu primeiro impulso para a palavra "pulso" é a música. Claro. Evidente. Aquele beat. Aquele ritmo. Aquele som sintonizado como na barriga da mãe.

Boom boom Boom boom. 

A Vida. A vida dos nossos filhos quando ainda fazem parte de nós. A primeira mini ecografia, antes da verdadeira. Aquela onde sabemos que eles existem. Que estão mesmo lá.  Mesmo aqui, em nós. Que temos dois corações a bater dentro de nós. Quando sabemos. Quando sentimos. Sabemos antes. Mas é ali que sentimos. E saber e sentir, que diferença tão grande que é. Sabemos ali que saber não é nada, é só ilusão. Ilusão concreta. Mas ilusão. Irei sempre denegrir a razão, afinal, é o que nos separa dos animais e eu sempre me senti e quis e fui e soube-me tão próxima deles. 

Boom boom Boom boom. 

Mas pode ser outra coisa. Podia ser tanta coisa. Podia ser quase tudo. 
Pode ser longe de mim, pode ser algo tão afastado da natureza humana, que só mesmo humanos poderiam imaginar e, como eles dizem, "implementar". 

O PULSE, pasmo. Espanto. O Pulse parece que é também o nome de um software ou de um sistema que "ajuda" a  sistematizar e medir acções concretas para se atingir objectivos comerciais. Um amaranhado para se ser produtivo, para organizar o doce caos onde devíamos banhar. Para domesticar o que é a "vida" e alcançar as metas de outros, quase tornam nossas no assalariado. Para se ganhar dinheiro. Para se ganhar a "vidinha" como se diz nas escolas de arte. Aspas em todo o lado na frase "ganhar a vidinha" para que não se perceba o engodo que é passar tanto tempo para depois, mais tarde, cada vez mais tarde, e já sem muito jeito, ânimo ou porquê, um dia se vir a poder viver a Vida.
Como caímos todos nesta esparrela?
Quando tudo começa na essência

Boom boom Boom boom


Mede-se o pulso esta semana no colectivo Largo, já há textos aqui:

10.10.25

Como cão e gato

Mil oposições. Contradições. Lutas e conflitos. No mundo. Na minha rua. Nas escadas do prédio. Mas a primeira, a mãe de todas. A que me assombra desde a mais tenra idade vive dentro de mim. Um fantasma bem presente de que nunca quis fugir e só afugentei quando fui obrigada pelo assalariado. Esse mal maior.

Como cão e gato eles vivem rent free na minha cabeça. Esta vontade de viver e esta fatalidade de sonhar. Este estar presente e este escape infinito. Este viver no momento e o doce mundo que não foi criado para existir. O presente e um futuro nunca alcançado, mas  muitas vezes desejado.

Disassociacão como doença mental?  Internem-me sem camisa de forcas. Vim assim ao mundo. Do you want some nudes? 

Se o futuro é feito de um presente que já passou. o meu amanhã é muito pouco concreto. O meu futuro pode muito bem nem sequer chegar a existir, porque no presente, eu nem sempre estou. Nem sempre sou. 

Uma outra estranha forma de viver, esta, que é essencialmente sonhada.


No largo, o tema "Como cão e gato" foi e seria livremente escrito:

3.10.25

Quanto até ao apocalipse?

Londres, anos noventa. Lembro-me de rir discretamente, mas com vontade, no speakers corner do Hyde Park, quando vi pela primeira vez aquele gentleman de barba longa e branca, em cima de um caixote de madeira com o cartaz bem alto "Things gonna get worst". Anunciador do apocalipse num dia de chuva antes da hora do chá, achei super chique. Devo ter tirado uma foto analógica, ou talvez não, nessa altura pesava-se bem cada imagem que valeria ser guardada para sempre. Não devo ter tirado, a luz estava péssima, era uma vivência para ser guardada só na memória humana, imperfeita e orgânica. 

Agora, ando à procura de um caixote suficiente forte para me equilibrar em cima com um cartaz semelhante, se não pior. O meu pessimismo está ao rubro. 

E sei que no meio desta lama há um caos bonito e solidário, não fechei os olhos às maravilhas que me rodeiam. Sempre tive muita sorte com os meus olhos. A lucidez não tem de nos cegar. Mas...

Só tinha vivido até agora o apocalipse em filmes. E no cinema não há esta morte lenta da sociedade, este fartar de descidas sucessivas de nível moral até à sua banalidade. Estas contas para pagar. Hannah Arendt avisou e escreveu, mas na altura da civilização em que mais pessoas sabem ler, ninguém mais o faz. Os sinais estão todos cá e os maus são porcos e feios, sem nenhum  hipocrisia. Zero carisma. E, no entanto, a mensagem e as ações sucedem-se e olhamos ao nosso redor estupefactos. Eu envergonhada pela minha ingenuidade. O meu otimismo nato que já comecei a enterrar.

Tarda, mas não está a falhar.


Texto escrito dentro do grupo Largo. Esta semana, já há estes textos para explorar:

26.9.25

Alma minha

 Alma

Anima

Ânimo meu.

Onde encontro o que me move é onde mais me mexo e me perco e me encontro. E mexo e remexo e salto e balanço e estico e abano e sorrio e sinto muito e encontro. Não paro, não paro. Há quem esteja, e ali seja, para escapar, todos estamos ali para ser. Lá, onde não há luz e usamos óculos de sol. Onde nem sempre temos consciência. Onde voltamos a ser animais.
Não somos bem uma tribo. Não somos sempre bem organizados. Somos quase sempre caóticos, absurdos, sem nexo. Quase sempre sorrimos. Às vezes, tentamos falar frases soltas no meio do barulho. Finjimos que entendemos. Não nos esforçamos para compreender. As palavras não nos interessam, só o sentir nos faz sentido. Lá fora muitos de nós faz apenas por sobreviver. 
Quase sempre somos felizes sem promessas.  
O que é, é. E é muito alto, mais alto. E mais e mais e mais. 


Este texto foi escrito no âmbito do grupo Largo, podem ler outras declinações de "Alma Minha" aqui:

PS e forte recomendação :

19.9.25

Mentir com quantos dentes tem na boca

Querer paz.

Verdade absoluta, sem falhas. 
Sem excepção,. 
Quem se apresentou com paz na boca, trouxe-me sempre drama minado, desnecessário. Anti-pessoal. 
Existências que a procuram - não a têm em si.  Per se  é uma boa intenção.
Mas fica-se sempre por aí. Nesse purgatórioi de quases. O inferno a abarrotar de exctatic dancers e yoggis superiores em busca de algo que só vão ter na aparência e nos stories motivacionais. 
Pessoalmente peço, por favor, não se aproximem mais. 
Guardem as palavras, já só ligo às ações. 
Vivo bem na lama. 
Mostrem-me as inseguranças, as imperfeições, as vontades de mentir, o cair. Com o humano eu sei lidar.
Com os erros que acumulei, julgo cada dia menos. Ccompreendo. Aceito tantos desvios. Assumo quase tudo menos o vosso marketing pessoal. 

A paz? Só quero a mundial. Como as misses de beleza dos anos 80.






Outras mentiras noutros blogues do grupo Largo

12.9.25

Revolução

Correm em mim dois rios no universo revolucionário. Se ouço a pouca sabedoria que a idade me trouxe, sei  que é melhor deixar as explosões e dramas maiores para os vulcões e outras forças. Optar pela diplomacia, debates racionais e com respeito pelo outro e pelas sua liberdades de expressão-acção-abjectas. Mas só posso confessar, queridos leitores anónimos, que algo em mim se anima quando os oprimidos e injustiçados se insurgem. O grito! Mesmo quando a violência aparece e ganha forma por cima. Afinal o que são carros queimados contra vidas e famílias destruídas? Como reclamar com jeitinho quando nunca ninguém os ouviu? O que é um grito pontual contra uma vida amordaçada?

Sacrifícios humanos, lava que se projecta no ar entre nuvens e pedras mortais. tsunamis e furacões, assim se cortou a natureza humana e não-humana. Estamos neste planeta e dele fazemos parte. Com ele aprendemos e Somos. Dele viemos, para ele iremos. 

A inteligência humana ou a artificial. A paixão versus a razão. Cravos vermelhos ou opressão. Terra. Lava. Morrer para renascer. Nestas veias corre sangue: Esta lava. Esta esperança de algo melhor. Mais justo. Mais inclusivo. A loucura das nossas boas intenções. 

Que algo se anime ! Já vai sendo tempo.


Pode-se aprofundar sobre Revolução noutros espaços membros do colectivo Largo : 

Mariana Leite Braga
Maria João Caetano
Rita Maria 





8.8.25

Nenhures

Quis que o mundo parasse. 

Não estou a conseguir acompanhar, já não estou a tentar, já não quero participar. Quero só que cesse. 

Que a terra passe a ser plana, como os malucos dizem, e que fique parada. Que seja o sol a fazer o trabalho de subir e descer. E que aqui em baixo, fique tudo congelado. Para balanço. Que esta loucura tenha um fim. Que façamos um RESET. 
Quis-me ir embora e voei.
Fui para os Açores.
Demorei muito tempo para vir para o meio do Atlântico, para o meio do nada que é tão tudo. 
As águas aqui são tão paradas que são precisas baleias e golfinhos para as agitarem. As praias precisam de nós para que alguém entre no mar. A estradas do nosso carro para entreter as vacas do tédio que é pastar o dia todo. 
Em 2025 não quis mais aventuras. Quis nada nem ninguém em nenhures.



Escrevemos semanalmente à volta do mesmo tema, à volta do mesmo dia :

Marisa Maurício
Joana Valente
Mariana Leite Braga
Maria João Caetano
Rita Maria 
Helena Araújo

1.8.25

Tenho sítios para ir

Tenho sempre sítios para ir, por vezes vários ao mesmo tempo. Tem dias em que gostaria de estar em 3 países diferentes à mesma hora. 

Entendo perfeitamente a escolha de Deus. Podendo, eu também seria omnipresente.
Isto parece-me um estilo de vida perfeitamente normal, mesmo para uma mera mortal. Aliás, especialmente para uma mera mortal, com os dias contados. Com as horas a passar. Os minutos a fugir. 
Olho para o último ano, por exemplo, ano particularmente inútil, e fico feliz por todas as viagens e festas que vivi. Todas as gargalhadas e leviandade. 
Mas depois vejo aqueles livros de auto ajuda, - desta vez não vou ser irónica em relação a este tipo de literatura, das outras vezes, fui, tudo bem. Mas desta, não - e penso se eles não têm a sua razão. Do que é que eu estou a fugir?
E que festa deveria ter recusado para ficar em casa e fazer trabalho espiritual, aulas de pilates ou escrever textos com mais profundidade ?  E que pessoa seria se tivesse lido mais livros, tivesse feito mais meditação, tomado mais ayahuasca e menos ecstasy ? 
Gosto de pensar que há tempo para tudo e pessoas para algumas coisas. Já tive muitas vidas nesta vida. Já fiquei dias sem sair de casa a ler livro atrás de livro, e muito do que sou devo-o a esses livros, que só eu sei que não se aprende nada com festas e drogas. 
Mas a vida não é só aprender e melhorar. Por vezes, não queremos ser mais do que já somos e já estamos contentes com o que há e o que foi possível sermos.
Ser assim-assim assenta-me como uma luva. 
Peço desculpa a quem desiludi, as minhas intenções foram quase sempre boas.


Escrevemos semanalmente à volta do mesmo tema, à volta do mesmo dia :

Marisa Maurício
Joana Valente
Mariana Leite Braga
Maria João Caetano
Rita Maria 
Helena Araújo