Nos tempos em que ainda achava que era obrigada a fazer coisas que não gostava, via muitos a ser utilizados à bruta em repartições de finanças e outras instituições criadas por pessoas que não são como eu. Era a única parte desta incursão ao mundo dos outros - com relógios de ponto, regras verticais e unilaterais e pequenos podres poderes - que me parecia ter interesse. O barulho, o que ficava depois do murro, A tinta e a marca. Tudo o resto me parecia extra terrestre ou demasiado terrestre. Em todo o caso, claramente inseto de algo que me interessasse trazer para o meu mundo.
Lembro-me também dos carimbos da escola primária, lugar que gostava muito com a excepção dos castigos que os meus colegas mais livres recebiam. Lembro-me de os ver em fila, à frente do quadro, à espera da sua vez para receberem a sua réguada, ou porque tinham erros no ditado, ou porque estavam de pé ou a falar ou porque tinham chegado atrasados. Lembro-me do espanto que sentia com este processo. Nunca fui habituada a castigos e, espero nunca vir a habituar-me. Ser castigado por regras que, outras pessoas que não são como nós estabeleceram, devia ser proibido. Elas que vivam com as suas regras. Eu tenho cá as minhas e já me é doloroso suficientemente quando não as cumpro.
Outro lugar onde gosto muito de encontrar carimbos é na feira da ladra. Agarro-os muitas vezes e quase que os compro. Não estou a fingir que os vou comprar de cada vez que o faço. Uma parte de mim quer mesmo levá-los comigo, para depois os colocar num sítio que vou esquecer e nunca mais usar, Agarro-os e aproveito as recordações que me vêm à cabeça. E depois, segunda a minha regra, volto a pousá-los e deixo-os para quem os irá seguramente usar melhor.
Não gosto de assinar. As últimas assinaturas bonitas que vi são as das gerações dos meus pais, fluidas e artísticas, como a sua letra cursiva. As da minha geração são francamente toscas e quando não o são é porque estão a copiar as da geração anterior, são anacrónicas e ridículas por isso mesmo. É melhor assumirmos o nosso tempo, as nossas conquistas e os nossos erros. No campo das assinaturas, a geração X errou. Ou eu não tenho a cultura visual necessária para apreciar este grafismo tosco ou copiado. Nas gerações que nos seguem tudo é possível menos um gesto decente e digno, uma geração que escreve com teclas nunca poderá assinar documentos ou cartas de amor - inserir risadas nas cartas de amor - com autenticidade. Proponho os carimbos. Um anel com carimbo personalizado para cada um. Os burocratas que tremam ou burocratem depois. Eu que agora faço jóias acabei de ter uma ideia de jóias ao escrever um texto, como já tive uma ideia de desenho ou esculpir um pedaço de barro, tudo se interliga sem ordem nem horários. E é assim que quero que seja. Lentamente, atrasada, desordenada, e consequentemente, aceite e rejeitada. Que se carimbe por cima.
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