27.9.14

Nós e os nossos filhos em Nasca


Tivemos que sair da estrada Panamericana, porque estavam a fazer rallys mais à frente. Fomos por estradas de terra, mais ou menos batida.  Por aquelas casas, que de longe quis acreditar serem cabanas para guardar ferramentas. Não eram. Aqueles cubos de madeira e palha, sem janelas, no meio do pó, onde nem sequer os cactos nascem, são casa de família. Uma menina sai a andar numa bicicleta cor de rosa. Um avô, sentado com uma criança que mal sabe andar. Na estrada, a subir, passamos por uma mãe que carrega um bebé já grande nas costas. O condutor apita para avisar que vamos passar. Poeira por todo o lado. Tenho vergonha de estar naquele carro.
...
Mas, a verdade, é que continuo a viagem. Continuo a minha vida. Continuo este texto. Mudo de paragrafo.
Tínhamos vindo para Nasca com a intenção de subir aos miradouros e ver o que se consegue de cima. E ficar satisfeitos com a nossa vida, que já havia razões para tanto.
Quando dei por nós, estávamos a entrar numa avioneta de seis lugares, para sobrevoamos as linhas. Passa tudo muito depressa num ano em mvimento. O condor, o macaco, o colibri, a árvore. Tudo. Queríamos ver tudo. Não podia ser de outra forma. Havia vestígios de obsessão nos olhos dos meus filhos.
Interessamo-nos subitamente por uma civilização pré-Inca de que nunca tínhamos ouvido falar, antes de começarmos a preparar esta viagem. Queremos saber. Queremos ver. Queremos nos aproximar.
Fiquei nervosa, limite do pânico, antes da descolagem. O francês não quis tirar fotos, não queria perder nada atrás da câmara. O meu filho estava doente por causa do ar condicionado da noite anterior. E a minha filha teve enjoos de ar, com consequências.
Adoramos.
Estamos entusiastas incondicionais. Gostamos, não queremos saber dos apesares.
De noite comemos documentários com melão-pepino.

Agora, estamos no pátio do hostel a tentar estudar.
Muitos apesares. Muito barulho. Muitos animais que nos vêem cheirar.
Nascar, como todo o Peru, prepara-se para as eleições de 5 de Outubro. Gosto da democracia. Mas começo a gostar ainda mais das leis anti poluição sonora. Ninguém reclama. Todos parecem de acordo em escutar dez, cem vezes seguidas as três musicas eleitorais do candidato Magallé, coladas aos ritmos do grupo Orixas. Por vezes, é literalmente um palhaço e nariz vermelho a animar quem se aproxima dos balões amarelos e das colunas no máximo. Politica grotesca. Nos cartazes prometem agua canalizada e estradas asfaltadas. Tomara que cumpram. Um dos candidatos tem um belo bigode. O seu tema : "el bigode que trabaja".
Sigo caminho com pouca esperança por quem fica.

6 comentários:

  1. Fiquei parada no melão-pepino. Deve ser a coisa mais fresca do mundo no meio dessa poeira toda.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tenho que fazer um post sobre as frutas. E a carne de alpaca e de porco da India e a problematica do quinoa (as coisas não são o que parecem).

      Eliminar
  2. e com o sismo? correu tudo bem?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Que estranho, a minha mãe também me perguntou sobre o sismo (dia 27, certo ?). Mas não sentimos nada...

      Eliminar
  3. Eu quero saber dos apesares todos. A vida,as viagens, o amor, tudo é extraordinário por causa dos apesares. Eu sei que é controverso, mas eu gosto mesmo é dos apesares.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ja tinha percebido que és a rainha dos apesares, apesar de tudo. :)

      Eliminar

Pessoas

Nomadas e sedentarios