No parque das ruínas, um grupo de estudantes de Belas Artes admira, em inglês, um desenho que um americano fez da vista do Pão de Açúcar. Efusivamente. O artista afasta-se, ego inflamado.
O grupo fica a discutir onde vão desenhar. Não vão desenhar a vista, como os turistas, para algo tão óbvio tira-se uma fotografia e já está.
Como os turistas. Que é exactamente o que sou, o que eu estou a fazer. Fico a olhar para a minha máquina das fotografias. O que sou. O que faço. Um ano.
Como os turistas. Que é exactamente o que sou, o que eu estou a fazer. Fico a olhar para a minha máquina das fotografias. O que sou. O que faço. Um ano.
Afastam-se. sentam-se de costas para a vista mais óbvia do mundo, e desenham a casa em ruínas do parque das ruínas.
Os meus filhos e o pai, eternos snobs, visitam as ruínas da casa do parque das ruínas. Eu sento-me à sombra e escrevo-vos que esta vista é linda, pô ! Não me conformo.
Ao meu lado, senta-se, inesperadamente, uma estudante, a vista do Pão de Açúcar na diagonal, deve estar a desenhar os bambus ali do lado esquerdo, evitando o grande elefante nesta esplanada. Passa o professor, um gato de t-shirt cinzenta, as letras SAMBA a amarelo, ninguém presta atenção. Não tem corcunda, não coxeia...
Sentados no chão, admirando a parede bege da lanchonette, tento introduzir o namorado francês às especificidades da língua brasileira - quem falou de português do Brasil? - a urgência de gerundiar e a musica das palavras. Começo com Jacarépagua, a moça da lanchonette, que evidentemente não tem máquina para pagamento com cartão trabalhando, vem de lá. Jacarépagua. Mandioca. Maracanã. Moqueca. Tentei-ligar-do-orelhão-mas-meu-cartão-estava-zerado.
Mas pegando numa palavra neutra, sem carnaval à mistura : boca. Experimenta dizer boca com sotaque de telenovela da Globo. Boca. São testoteronas pop ups por todo o lado, uma explosão de sensualidade que não acaba mais, uma pessoa mergulha na palavra boca e já corre o risco de fazer o terceiro filho, ali. Na hora. Agora experimenta dizer boca na língua da ex-metrópole, na linhagem directa de Camões : boca. Verdade que fica logo ali um gostinho de repartição de finanças a pairar.
Não tenho a certeza que tudo se possa importar. Existem sons que aqui ganham um novo significado. Acreditem se quiserem, mas de repente é como se houvesse 16 milhões de Chicos Buarques. Posso estar a exagerar.
Mas pegando numa palavra neutra, sem carnaval à mistura : boca. Experimenta dizer boca com sotaque de telenovela da Globo. Boca. São testoteronas pop ups por todo o lado, uma explosão de sensualidade que não acaba mais, uma pessoa mergulha na palavra boca e já corre o risco de fazer o terceiro filho, ali. Na hora. Agora experimenta dizer boca na língua da ex-metrópole, na linhagem directa de Camões : boca. Verdade que fica logo ali um gostinho de repartição de finanças a pairar.
Não tenho a certeza que tudo se possa importar. Existem sons que aqui ganham um novo significado. Acreditem se quiserem, mas de repente é como se houvesse 16 milhões de Chicos Buarques. Posso estar a exagerar.
E nós apreciando.
ResponderEliminarE nós apreciando, e de que maneira!
ResponderEliminarOlha a Sophia (lindo, claro, mas - cá para nós - gosto mais da tua abordagem):
ResponderEliminarGosto de ouvir o português do Brasil
Onde as palavras recuperam sua substância total
Concretas como fruto nítidas como pássaros
Gosto de ouvir a palavra com suas sílabas todas
Sem perder sequer um quinto de vogal
Quando Helena Lanari dizia o «coqueiro»
O coqueiro ficava muito mais vegetal.
"O coqueiro ficava muito mais vegetal" : tão bonito.
Eliminarboca. boca. boca. boca. boca. boca.
ResponderEliminarE agora o conhecido
boca. boca. boca. boca. boca. boca.
tens razão.
boca é melhor que boca.
Tem duvidas ?
EliminarAi, tantos Chicos, minha nossa! Deve ser uma beleza.
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