Faz hoje 88 anos e vamos lanchar lá a casa. Insiste em dizer que não é preciso fazer festa, mas nós, que estamos cá há menos tempo, ainda sabemos que festejar pode ser uma boa ideia. Vai haver velas, vão haver bolos.
Na varanda, vou encontrar o mais resistente dos canários amarelos do antigo império português e ultramarino. Numa das muitas vidas deste canário - que o meu avô teima em substituir para que ela não sofra a morte do pobre bicho - abri-lhe a gaiola. Era uma rebelde e estava disposta a assumir as consequências. Mas o canário não sentia, claramente, o mesmo apelo que eu e nem sequer piou. Esta experiência tem-me acompanhado ao longo da minha vida, insisto em querer mostrar a luz a quem usa óculos escuros. Conselhos para mim, que insisto em vender aos outros. Que arrogância e estupidez a minha. Como posso eu pretender conhecer as necessidades e ambições de um canário amarelo, que tem alpista garantida todos os dias ?
Os meus filhos estão-lhe a fazer uns postais coloridos e, para se inspirarem, perguntam à minha mãe do que é que a mãe dela gosta. Pássaros, bonecas e flores. Mas no fim de semana passado, ouvia-a desabafar e dizer que já não anda cá a fazer nada. Disse-lhe que disparate, avó. E despachei-me em concentrar-me em pássaros, e em bonecos. Eventualmente em flores.
Num dos jantares que tenho comido, com a melhor das companhias daqui até às Indías, uma amiga falava-me da culpa que as mães sentem em permanência, e que eu não a sinto, porque posso fazer tudo o que me apetece. Esta amiga é a que me disse que sou livre. Conhece-me pouco, apesar dos anos que já vivemos juntas, não me ouve e é uma das pessoas mais casmurras que conheço : gosto muito dela. E eu repliquei, que não sinto culpa de quase nada, é verdade. O quase está ali pelos meus avós. Podia fazer muito mais por eles, de certeza. Não sei como. E se calhar, nem sei se estou disposta a fazê-lo. Culpa. Porque querer é poder, não é ? Deixo-me de hipocrisias, na era dos selfies, de vez em quando olhamos para a fotografia sem photoshop. A Calita partiu um mês para Timor e a avó disse-lhe que ía morrer nesse mês. Eu parto um ano para o mundo, os meus avós dizem-me para aproveitar, mas eu sigo com um aperto aqui do lado esquerdo do peito. Mas, a verdade é que parto mesmo assim. Deve ser a isto que chamam o egoísmo dos mais novos. E tinha-me que me calhar logo a mim, que me tinha em tão boa conta.
Olha, calha a todos, dizem por aí! Vai, leva as culpas e o que mais for preciso. Não há volta a dar quando a vontade é assim.
ResponderEliminarVou, mas sinto que existe sempre volta a dar, não estou é a vê-la a tempo.
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