4.6.14

Outras histórias no meio da minha

E na minha cabeça, uma hisria negra.
Fora dela, um convite para um piquenique, numa ilha sem carros. 
Mãezinha, vesti-os de impermeável, pullovers, botas. Vai estar frio. 
E ninguém a prestar atenção àquelas nuvens cinzentas. 
Meio-dia e eu queria escolher uma das praias desertas, para esticar a grande toalha.
Ali em cima, não. Que os miúdos ainda se atiram da falésia. 
Pensaram que estava a brincar e continuaram caminho. Riam de mim.
Segui-os e fi-lo descansada. 
Tento, sempre que me lembro, não dar muita confiança às minhas intuições. 
Cansar as pernas. Subir. Subir.
Por onde olhasse, via mar, sol e o sorriso dos meus. 
Fotografei-os, não vou viver e ficar sem estas imagens. Nunca fiando na memória. Nunca fiando.

E dentro de mim, a história paralela, sem arredar pé.
E sempre. 
E outra vez.
Ninguém caiu da falésia. Nunca chegou a chover.
E até eu fui feliz. 
Devo-me ter distraído, a algum momento.
Culpo a cidra. Afinal, até estava fresca e tudo.
E o cansaço de percorrer aquela ilha sem asfalto.
Muito mais fácil não se pensar, quando corre tudo pelo melhor.
Ou mesmo quando anda tudo benzinho.
E é isso que eu não quero :
Parar de pensar.

E em mim, a hisria que não devia ter acontecido.
E Tristeza. E Impotência. E Frustração.
Tirei fotografias do meu filho a saltar de cima de todas as pedras, de todas as dunas.
A minha filha chamou-me para vermos "televisão" : 
uma rocha cheia de buracos, 
em cada buraco um ninho, 
em cada ninho uma nova vida, 
por cada nova vida, uma andorinha a preocupar-se.
Tive quase a certeza que havia novas vidas a serem alimentadas por varias andorinhas.
Mas é primavera, é normal teimar em ver amor e coesão em tudo.
Muito filme, muito Bambi na infância.
E fotografei-os, e fotografei-os e fotografei-os.
Vão ser sempre assim. 

Não vai poder ser doutra maneira.
Como é que eu ia viver se fosse diferente ?
Como é que o mundo ia continuar, se lhes acontecesse alguma coisa ? 
Não pode ser, é impossível.
Nada lhes pode acontecer.
As coisas não são assim.

(E as outras histórias. Insisto.
E as impossíveis que um dia aconteceram, como é que vivemos com isso ?
E como vivemos com elas no meio da nossa vida ?)

10 comentários:

  1. Respostas
    1. Espero que sim. Terão havidos muitos mortos por causa daquilo que ouviram nas noticias ?
      Quase todos queremos saber o que se passa no mundo, das atrocidades do Ruanda, à guerra na Crimeia, mas e depois como é que se gere esse conhecimento no quotidiano ?
      Onde ficam stockadas as imagens de terror ? O que acontece quando se verifica um curto circuito ?

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  2. Quando era ainda uma adolescente e falava das coisas que me afligiam no mundo a minha mãe dizia-me que eu não podia carregar o mundo às costas. Ficava danada. Ainda hoje carrego tanto disto no coração. Questiono-me como podemos viver a tentar passar entre as gotas de chuva enquanto outros estão no meio do furacão.

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    1. Especialmente, quando existem casos que até podiamos, ao menos tentar, ajudar.
      Tentar estabelecer uma espécie de equilibrio. Não sei.

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    2. Sim, temos de ao menos estar alertas (e actuantes) em relação ao que está ao nosso alcance. Estava a tentar saber notícias do caso da Carolina, não tenho a certeza mas acho que está bem encaminhado.

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    3. Essa é uma certeza que eu gostava muito de ter, acredita.

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  3. Vive-se, não há outra forma.
    Às vezes podemos fazer alguma coisa, outras não. Vive-se com isso,não há outra forma.

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    1. Vivemos. E um dia, se nos acontecer o impossivel, vamos viver também com a falta de apoio dos outros. Sozinhos. E vamos achar normal, porque não havia outra forma. Afinal, nunca tinhamos vivido realmente em sociedade.

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    2. Empatia não é apoio. Não há outra forma, vive-se com isso...

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    3. Não, empatia não serve para nada.
      Talvez para dar balanço e fazer-se algo mais a seguir. Mas, por si so, vale mesmo muito pouco. Eu sei.

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