28.3.14

A ideia é a seguinte

Aos dez anos, não me lembro. Aos vinte queria mudar o mundo, aos trinta queria mudar a (minha) vida. Pela terceira vez. Provavelmente, aos dez correu tudo bem. No final dos vinte, comecei a desistir. Aos trinta revolucionei a forma como vivia, mas de uma forma inesperada. Protestei, em vão.
Aos quarenta, vou partir do princípio. Conhecer o mundo, finalmente. Que parvoíce ter começado ao contrário. Desejem-me sorte, por favor.

A partir de Setembro vamos andar todos os dias juntos. A maior parte do tempo em movimento.
Os miúdos, novos-nomadas, não vão à escola durante um ano, para felicidade de uma e desconfiança de outro. CE2 e CP : terceira e primeira classe. Vamos ser nós, e eles, os professores - e os alunos - ao mesmo tempo e à vez. Vai correr tudo bem, não se preocupem, é uma opção diferente do normal, mas não é forçosamente má. Ou particularmente arriscada.
Respirem fundo.
Vai haver um, que não vai ter que ir ao escritório todos os dias e vai poder viver, como gosta de dizer. Tem curiosidade em saber o que é essa coisa de se fazer o que lhe apetece todos os dias. E levar com as consequências em cima. Ser adulto e fazer escolhas, e assim.

Gostava muito de poder dar aquele cariz de aventura a isto que vamos viver, como vejo nos outros blogues de viagem, mas nem sequer vou tentar. Pelos vistos, não é por ai que vamos. Esta é apenas uma outra fase da nossa vida, que felizmente vamos poder viver. Parece mais do que aquilo que é.
Vai haver mosquitos não homologados pela CE, pulgas na cama, autocarros perdidos, diarreias, acidentes e surpresas. Vamos ter altos e baixos, sem o conforto e a estabilidade a que estamos (mal) acostumados.
Vai ser um ano de onde esperamos sair melhores. Mais fortes. Ou pelo menos, vivos.

Não sei fazer aquelas animações bonitas com o itinerário, teimo bem não vos saber fazer sonhar.
Mas para quem tem a paciência de imaginar, pensem numa família que se ama, mas a quem nem sempre corre tudo muito bem, com mochilas pesadas às costas, às vezes cansados, às vezes felizes, a andar pelo Peru, pela Bolívia, pela Argentina, pelo Chile, por um canto do Brasil, outro da Austrália, pela Índia, pelo Cambodja, sem o d, por Laos, pelo Vietname, pela Birmânia, ou pelo Myanmar, como preferirem, pela China, naquela parte mais a leste - se nos deixarem - pela Malásia e pela Indonésia.
Nem três linhas e já acabou.

Ela diz que é uma falsa volta ao mundo, porque não vamos a todos os países. Insistiu para irmos ao Brasil, para poder falar com os outros à vontade e decidiu que tinhamos que aprender espanhol e inglês. Andava muito preocupada com essa coisa da comunicação verbal. Mas acho que ja lhe passou, é mais forte do que parece.
Eu choro pela África, por todos os paises que foram ficando para tras, e pela minha ignorância aflitiva do mundo que me rodeia. Como fazer para não passar ao lado de tudo ? Como aprender ? Como afastar os preconceitos ? Como saber ver e ouvir e tocar e experimentar e analizar ?
Ele quer que o deixemos em paz e que o deixem viver o que tem a viver connosco, neste planeta. O tempo é agora, isto é o que temos, não precisamos de mais nada.
Ele, o mais pequeno, pensa que vai ter uma férias grandes-grandes. Eu aviso-o estas muito enganado, meu amigo. Muito enganado. Mas não me preocupo, nem ele, gosta de esforços e desafios. Havendo uma bola por perto, tudo tem tendência a se resolver.

Acho que vai ser bom.
Não vai correr tudo bem, mas também não é para isso que aqui estamos.
Que não nos faltem surpresas.

57 comentários:

  1. Se a inveja matasse aqui jazia já uma gralha.

    Por favor partilha tudo: o planeamento, as mudanças de ideias, o aborrecimento (yeah, right) nos trechos longos de autocarro, as marcas de cerveja, o brilho nos olhos com cada surpresa. É um serviço público, são os nossos direitos humanos (e, se não for pedir muito, grava tudo em versão audiolivro para eu pôr debaixo da almofada do Luís e fazer-lhe a devida lavagem cerebral - já só me faltam 5 anos para os 40, tenho de começar a tratar disto)

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    1. Daqui a cinco anos, não digo, mas existe um lobby aqui em casa para se fazer daqui a sete anos. Podiamos fazer uma volta ao mundo a 16 pernas. Temos apenas que descobrir onde arranjar dinheiro, mas isso resolve-se. Tudo se resolve.
      Quanto ao audio-livro, vou ver o que se pode arranjar.

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  2. quero imams para os frigoríficos de todos os países por onde passarem ! :P
    toma lá a primeira surpresa ;-)
    beijos, muitinhos

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  3. Ou seja, vais ter o dobro do trabalho (com o homeschooling e assim), vais andar com eles colados a ti 24h por dia (lembras-te?) e, provavelmente, vais ter uma ou outra discussão sobre quando é que vamos para casa.
    Foda-se, sois grandes, carago! :D

    Olha, eu estou com a gralha, queremos ir contigo, por isso bota tudo aqui.

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    1. Não consigo quantificar o trabalho que vou ter (acho que essa é uma das razões pelas quais esta ideia vai para a frente), mas não vai ter nada a ver com o que (sim, como poderia esquecer?) do que vivi no passado. Alias, um dos grandes problemas dessa altura, era estar a chover e a fazer frio e não poder sair de casa com um recém nascido sem problemas nenhuns de pulmões. E não ter nenhuma divisão da casa devidamente insonorizada.

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  4. Eu que estou a chegar aos 30, devia fazer isso agora. Haja coragem e ousadia! Sou outra invejosa. Por favor partilha o que vais viver. Vai ser uma Aventura maravilhosa!

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    1. Coragem e ousadia, então. Quase 30 parece-me uma excelente idade para uma primeira volta ao mundo.

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  5. Uau!! Quando pensamos que fazer uma coisa dessas com miudos só dá quando eles ainda nao andam na escola, aparece malta como tu para nos lavar a mente. Acho lindo isso! Especialmente porque vão criar memórias fantásticas nos vossos filhos! Muito bom. Quando partem? :)

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    1. Vamos em Setembro, para nos colarmos ao ano lectivo. :)

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  6. Clap, clap, Clap! Que maravilha, carla! Já sabes, não vai ser sempre bom. Vão ter dias bons, dias muito bons, dias maus e dias para esquecer. E vão ter uma experiencia do catano. Vocês, pais, e eles, caramba, sobretudo eles. Escreve, escreve tudo. Por nós, que ficamos mas queremos ir convosco. Mas por vocês, que vão viver tantas coisas, momentos de que mais tarde se vão querer lembrar. Boa viagem! Que maravilha de itinerario! O mundo é grande, não dá para ir a tudo. Mas, que se lixe, esta é só a primeira. E nunca é tarde para começar.

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  7. Tenciono escrever, sim, não faço ideia com que regularidade, nem em que suporte, mas tenciono fazê-lo. Quanto mais não seja porque tenho consciência do que a vossa viagem (e partilha) contribuiu para a formação desta nossa ideia.
    Obrigada pelo diario da Pikitim ! (isto tudo também é da vossa responsabilidade).

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    1. Wow! Que maravilha, Carla! Escreve para ti, para vós, para nós, para todos.

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    2. Combinado. Havendo energia no computador, na net e na cabeça... ;)

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  8. Maravilha, Carla!
    Maravilha. Estou aqui a babar por interposta pessoa.
    Parabéns por essa capacidade de desprendimento. Vocês são os maiores.
    Na Bolívia encontrámos um casal francês que andava a fazer isso. Mas sem filhos. Não planearam muito: nos albergues, perguntavam aos outros de onde vinham e o que lhes pusera os olhos a brilhar. Só isso.

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    1. Uma das reacções "negativas" a que tivemos direito (foram algumas) "acusaram-me" exactamente do contrario, de não saber desprender-me dos meus filhos - é tudo uma questão de ponto de vista.
      Tentamos não planear muito, para termos mais sensação de liberdade,e podermos apreciar melhor os lugares que gostarmos mais. A excepção teve que ser feita com os bilhetes de avião para grandes distâncias (questões de orçamento falam mais alto, a liberdade tem um preço, minha cara...).
      Obrigada pela baba. Acho eu.

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    2. Essa crítica nunca me teria ocorrido. Já te vi umas 4 vezes, e estavas sempre sem os filhos. Em duas delas, até passaste vários dias sem eles.
      Na verdade, eu até começo a desconfiar que os teus filhos são uma urban legend. Tens mesmo a certeza que és mãe? Ou será que andas a meter na net fotos dos filhos dos vizinhos?... ;-)

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    3. De facto, não estamos colados com cola tudo.
      Mas passamos muito mais tempo juntos do que o comum dos mortais. E não vejo com bons olhos a hipotese (muito remota) de os deixar na escola o dia todo.
      Estranhamente, nunca houve dramas quando nos separamos, e os deixamos com os meus pais ou com à noite com a prima. Podemos ir descansados. Esta é que é a verdadeira parte da legenda. Não sei explicar porque é que me deixam ir à minha vida. Esses grandes ingratos !

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  9. yeah! bora.....escrevam muito!................apreender é muito melhor que aprender e eles vão aprender taaaanto....ainda agora estava a ouvir isto:http://www.youtube.com/watch?v=mxCPK0mRqC8#t=952

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    1. Para a semana conto falar sobre como vai ser (ou melhor, como estamos a pensar que vai ser) esta parte da viagem. Sobre educação das crianças (e nossa), sobre métodos, sobre o que ja estamos a fazer, sobre falhanços, sucessos e espantos. (Gostei muito desta conferência).

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  10. Uau, ideia magnífica e profundamente corajosa! Vai ser certamente uma viagem cheia de experiências boas, excelentes, menos boas, inesquecíveis, a viagem da vida. Eu subscrevo os pedidos de muita escrita a contar tudo, aqui no blog ou onde for.

    E muito obrigada por provar que os filhos não são obstáculos para os sonhos mais arrojados. A minha visão da maternidade desdramatiza-se.

    Boa sorte! :)

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    1. Mas ainda não provei nada, por enquanto ainda estamos na fase da preparação. Quem ja tem provas mostradas é ali a Luisa Pinto, com a sua volta ao mundo com a filha de 4 anos em 2012 (blogue Diario de Pikitim). She did it !

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    2. Já conhecia, e fiquei pasmada que fosse possível. Mas quanto mais pessoas houver a fazer mais se desdramatiza. Por isso agradeço à mesma e antecipadamente :)

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    3. Grande decisão! O mais difícil já está feito - decidir. Agora é aproveitar tudo, inclusive o planeamento. E depois não se esqueçam que, mesmo lá longe, nunca estarão a dezenas de milhar de quilómetros de casa mas sim a poucas horas de voo de distância.
      Se a nossa experiência - contada no Diário da Pikitim - for útil para alguma coisa, é só dizerem.
      Força.

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    4. Obrigada pela força ! O Diario da Pikitim foi ja de grande ajuda, para fazer compreender aos meus filhos o que seria isto de viajar durante um ano inteiro.
      (Perguntas tenho algumas, mas são todas chatas que não as faço nem ao meu melhor inimigo, actualmente andamos às voltas com os seguros... ).

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    5. Carla, sobre seguros, o que eu recomendo sempre, sempre são os da World Nomads. Não são os mais baratos, é certo, mas são os que eu uso sempre. Já tive de ativar uma vez o seguro de viagem e eles foram impecáveis (e pagaram tudo sem reclamar).
      Noutro dia alguém me falou de uma companhia francesa chamada Chapka Direct com melhores preços, mas não conheço as apólices para ter opinião formada.
      Força nisso!

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    6. Obrigada, não tinhamos ainda visto estes seguros, vamos comparar com os que conhecemos.

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  11. que maravilha. que coragem, que grande Pinta!

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  12. Percebo o entusiasmo, mas apenas porque não existem muitas familias que o fazem. Porque se virmos bem, é uma ideia bastante normal : uma familia que quer passar tempo junta, a passear. Pais que querem ensinar coisas aos filhos.

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  13. Só me ocorre uma expressão: ah valente!
    Boas, grandes e felizes viagens!

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    1. Obrigada pelos votos. Mas é apenas em Setembro! (parece uma eternidade).

      Pode parecer provocação, mas parece-me (antes de partir) que é preciso mais valentia quando se quer educar bem os filhos, abrindo-lhes horizontes e ensinando-lhes valores, ficando em casa ou a trabalhar, com eles a passar o dia todo longe dos pais.
      Muita valentia para educar apenas no final do dia, quando todos estão cansados e cheios de estimulos e valores transmitidos por terceiros, professores, outros adultos, outras crianças, televisão, etc. Estimulos às vezes bons, outras vezes menos.

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  14. bem, isto é para lá de UAU!!!
    (antes comentava pouco, agora com o feedly é a desgraça total, mas este post vale tudo!)
    acho que tens razão quando dizes que é algo normal, que querem estar juntos, mas não deixa de ser algo extraordinário em toda a acepção da palavra :D
    conta tudo, vou estar sempre (e ainda mais) ligada ao feedly. Já sabes, procura sempre sítios com wifi ;)

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    1. Vamos ver,vamos ver como é que vai ser esta coisa da conectividade, não sei como é que se faz a escolha entre viver o momento da viagem e parar para contar o que se vive...

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    2. Tivemos esses "stresses" algumas vezes. Tínhamos de parar para escrever, arranjar net para enviar, etc - tínhamos o compromisso das crónicas na Fugas, e às vezes foi penoso cumprir os prazos... Acredita, se tiveres escolha, vai ser muito fácil fazê-la.

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    3. Devo, então concluir que nunca virei aqui escrever, excepto se a tal da volta ao mundo venha a ser uma grande seca ? Ahahaha !
      (Adoro).

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  15. Simplesmente divinal. Seria algo muito bem aceite na nossa familia. Passarmos um ano inteiro juntos e SEM ESCOLA!!! :) Eu não acho nada que sejam corajosos, coragem é continuar a vidinha do dia-a-dia, isso sim é coragem. Agora que são dignos de palmas pela ousadia e pela loucura levada à prática, lá isso são!
    Espero que consigas ir registando as experiencias por aqui, adoraria lê-las.

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    1. Tenho a intenção de escrever, sim. Para mim, claro, mas também porque esta cena da partilha é algo francamente me agrada.

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  16. É agora! Aproveitem corajosos! :)

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    1. Pois é ! Espero bem que sim, que aproveitemos tudo até ao tutano.

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  17. Eu sabia!!! Nós estamos em ED (ensino doméstico), mas ainda não nos aventurámos numa voyage assim. Um dia, quem sabe...
    Claro que não há problema nenhum com a (d)escolarização... É só mesmo um ano, e para além disso, o mundo é agora a escola deles ;)
    Podias só esclarecer-me em termos legais? Sei que em França exigem um exame anual, certo? Cá em Pt é apenas no final de cada ciclo (4º,6º,9º,10/11º, 12º anos).
    E que a aventura comece!!
    Beijinho,
    Catarina

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    1. Não existe nenhum exame nesta altura da escolarização, em França.
      A escola não é obrigatória, o que é obrigatório é a educação.
      Informamos a directora da escola onde são alunos - e a academia que a gere - que para o ano, não os iríamos inscrever e responsabilizamo-nos por os educar, segundo o programa.
      Se estivéssemos em casa, teríamos a visita de um inspector, assim sendo, nem isso.
      No ano a seguir, passam automaticamente de ano.
      Claro que se houver uma catástrofe e não aprenderem o que têm a aprender este ano, a professora pode aconselhar apoio ou mesmo que regridam de ano. Mas, segundo a directora, não devera acontecer, porque o básico é fácil de se transmitir e o que vão ganhar com a experiência vai ser suficientemente enriquecedor para compensar eventuais falhas.
      Por exemplo, estivemos a ver o programa com a directora, e no equivalente à terceira classe, deveriam aprender a geografia de França, esta parte não é, de todo, fundamental, nem vai ser dada, visto que vão aprender outro tipo de matéria geográfica, com todos os países que vão visitar. Quatorze países. 3 continentes. Nem sei quantas cidades, mares, rios, montanhas, vales, vulcões, etc.

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  18. Uau... admiro e invejo a vossa coragem. Que bom viver essa surpresa do inesperado, assim, em família.
    Vou ser mais uma das que aqui ficarão à espera do diário de bordo e a viver um pouco dessa aventura! : )

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  19. Eu não sei se era capaz. Falta-me coragem para viver assim. Beijinho e parabéns pela vossa decisão

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    1. Obrigada. Se um dia quiseres, fazes. Não me parece que seja uma questão de coragem.

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  20. Queres dizer que não vens a Africa? Como é possível? Esparava por ti em Marrocos!!!
    :) Que corra tudo bem!!! E vai correr eu sei que sim!!!

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    1. Se sou esperada, dou um jeito de ir a Marrocos. Logo a seguir a esta viagem. Da-me datas para 2016.

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  21. Quando quiseres, tirando alturas de Natal, Julho, e Páscoa. O resto do ano estamos sempre aqui :)

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