Viagem de estrada além do Tejo

Subir seis aldeias e duas cidades medievais, muitos desvios ao caminho, outras quantas paragens. 15º. 25º. 35º. Porquê tanta coisa contra os mouros e os espanhóis, se o bom e o mau depende sempre do professor ? Os espanhóis podiam falar mais baixo, é certo. Pode esta queixa, ser um sinal patriótico ? Não aguentar visitar nem mais um castelo. A uma unha de dar um pontapé na próxima ruína islâmica ou romana. Água e gelados Nicolau. As vertigens atrofiadas no castelo de Monsaraz, ai que me caiem os miúdos, vai lá tu, vai lá tu. Acreditar até ao fim que se vai tocar no sol no final da estrada até aos Corvos. Vingar-se no Gaspacho e na sangria. Mergulhar no sudoeste. Ignorar a inocência do polvo, agora grelhado. Coitado, era tão bom.
Ir sempre atrás dela, a que sabe ler os mapas de Castelo de Vide a Mértola, a que gosta de seguir indícios e procurar passagens secretas, mas que não mergulha se não conseguir vir o fundo, a que (ainda) gosta de dormir ao colo no final dos jantares. E eu a fotografa-la sempre às escondidas, nunca um sorriso por favor, nem sonhar com um beijinho forçado. A graça é-lhe natural, para quem sabe esperar.
Cansar-me atrás dele, ao lado dele, à frente dele. Sempre mais uma corrida, mais um mergulho, mais uma piada, mais uma gargalhada, uma desobediência, uma conversa com estranhos, mais uma fanfarra de bombeiros numa noite em Reguengos. Pode isto nunca mais acabar ?
Fotografá-lo de frente, de perfil, sempre a falar com os erres muito prenunciados, não tem tempo para poses, nem para dormir, tem que aproveitar quem lhe fez falta, agora com as cores que teimam em desaparecer no escritório com vista para a torre Eiffel. Ficam-lhe tão bem as férias em Portugal.
Eu conduzo, tiro fotos, ando atrás, às vezes empurro-os insistentemente vá, só mais este, ouço a banda sonora desta viagem que ele preparou quando esteve sozinho - hoje, outra vez, quero ter a voz da Victoria Legrand - e prometo-me nunca mais sentar-me num sofá.