23.5.13

Raízes (e caril)


Num dos raros dias de sol deste estranho mês de Maio, entrei numa sala escura, para me emocionar do que já conhecia. Vi, no écran, portugueses em França a trabalharem muito e a serem gentis, vi portugueses a serem enganados por outros portugueses longe de casa, em território vulnerável, vi-lhes a vontade de regressar a Portugal, vi-nos lágrimas a escorrer quando se ouve o fado.
E lembrei-me de quando cheguei a Paris para ficar.
Dos meus colegas internacionais da Alliance Française todos com saudades de casa. Podemos ter inventado a palavra, mas não inventamos o sentimento. A argentina a sair da sala a chorar, quando a professora lhe perguntou porque é que tinha vindo viver em Paris. O mal du pays.
Lembro-me do meu sogro a falar desses bravos e trabalhadores portugueses que lhe construíram a moradia perto da praia, que para cumprirem o prazo de entrega trabalhavam à noite com as luzes dos seus carros. Lembro-me de todos os comentários que ouço quando digo que sou portuguesa, integraram-se muito bem os portugueses, nunca provocam desacatos, são trabalhadores e humildes. E a palavra humilde a ganhar um travo amargo no meu dicionário. E a palavra gentil. Trop bon, trop con.
Lembro-me que quando cheguei a Paris, e trabalhei num jornal português, falei com donos de empresas que queriam voltar para Portugal, mas não podiam porque os filhos e os netos sentiam-se mais franceses que portugueses. Lembro-me de ter falado com uma directora de marketing de uma grande companhia que ganhava o salário mínimo francês porque na comunidade portuguesa é assim, queres, queres, se não queres há quem queira. De directores de bancos que me contavam dos pedidos de empréstimo para a voiture de alta gama que se leva no Verão e fica o resto do ano numa garagem. Lembro-me de um bairro na periferia leste de Paris onde loja sim, loja sim se fala português. De falar com portugueses que a cada frase que dizem misturam português e francês.
Na sala éramos uns 10. 8 portugueses maduros a sorrir e a chorar e  outras duas senhoras que se riram muito.
Quando sai, fui a correr buscar o lanche dos miúdos à pastelaria portuguesa, todos corridos a bolo de arroz. Passei pelos correios, o senhor disse-me porr favorr e obrrigade num sotaque muito cerrado, quando viu o meu cartão de cidadão. E dali segui com um sorriso parvo - outra vez esse - buscar os miúdos com o presente que a Miriam me tinha enviado de Aveiro. Logo no dia P. Obrigada.
Não conheço bem Aveiro e a sua ria. A ver se passo por lá em Agosto.


A GAIOLA DOURADA - Trailer par dmagianet

** SPOILER** No final do filme todos estão felizes na casa em Portugal e não pude deixar de pensar que o regresso feliz da minha família seria em África, numa cidade que entretanto mudou até de nome. Que temos uma comida indiana como prato familiar. E como se esta salada cultural não bastasse, o meu filho diz que é do Sporting, como o avô. Boa sorte na busca das raízes !

10 comentários:

  1. chega às salas daqui a 1 de agosto ;) estou ansiosa por vê-lo, se calhar era bom que fosse em 3D para nos darem os oculos escuros e podermos sair da sala com eles. eu sou uma lamechas!

    quando no ultimo dia, antes de regressarmos a lx, fizemos "l'état des lieux", do nosso apartamento, havia uma visita. era um casal novo com um bébé. conversavamos um bocadinho à porta e o meu sogro chegou e disse "bonjure". o rosto da rapariga que ia visitar a casa iluminou-se e, antes de retribuir o cumprimento, passou de um francês sem sotaque para um português assobiado e perguntou "o senhor é português, nao é? (sorriso aberto dela) os meus meus pais sao de viseu"

    :)

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    1. Se és lamechas como eu, não precisas de oculos escuros J.
      Mas tu agora já estás na santa terrinha, cumpriste o sonho emigrês, podes comer chouriço assado todos os dias.
      ;)

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  2. Olha, se calhar é como diz o Alexander: "Home is whatever I'm with you". Para muitas pessoas não é assim, mas para outras é. As raízes são as do coração, pronto.
    Agora, acho é que é impossível ficarmos indiferentes ao sítio onde crescemos.

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    1. O Alexander sabe muito bem do que é que fala.
      E ainda bem para mim. Que estava bem feita se não me guiasse por essa máxima.
      Mas é verdade que dias não são dias e temos sempre um dia que queremos outras coisas. E no coração cabe mais gente e lugares do que às vezes nos damos conta.

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  3. desejosa de ver e ainda sou só uma aspirante a "emigra" :D

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  4. Só gostava de ter uma "desculpa" dessas para ir à procura de mais raizes. É que eu já voltei às minhas e só penso: e agora, para onde? Eu bem tento convencer o meu homem que ele é de ascendência indiana mas não tenho tido sorte nenhuma com as indirectas.

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    1. Ahahahahaha ! Leva-o àquele restaurante no MM, pode ser que lhe dê ideias.

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  5. Carla, o senhor em questão tem uma colecção de frascos de picante. Anda sempre a Imodium por causa dos exageros. Acredita que, se eu conseguisse voltar a localizar o restaurante, levava-o lá.

    A propósito, quando chegas? Para fazermos mais um programinha.

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  6. Ah, ainda falta mais de um mês, volto em Julho.
    Quanto ao restaurante procura com a palavra passe "tentações", mas não digas a mais ninguém.

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