4.10.12

Não vou contar nada aos meus filhos

Não quero saber. Não entra aqui. Pode entrar na minha carteira, na dos meus pais, na dos meus melhores amigos. Mas não vai entrar na vida dos meus filhos.
A crise por aqui ainda não chegou ao recreio, nem às conversas à hora de jantar, deixamo-la entrar apenas depois da hora de os deitar. São pequenos, não fazem perguntas, não explico.
Se fossem maiores, se houvesse televisão, se a pergunta surgisse, ficaria bem encurralada, se nem para mim sei...
Quero que saibam o que se passa no mundo, mas não os quero com preocupações maiores do que eles.
Antes de lhes falar da cor do dinheiro e da falta dele, prefiro mostrar-lhes um outro lado da moeda.

Comer os restos é visto com prazer, numa refeição com sobras de três jantares, cada um escolhe o que quer e fica ali um espírito de bar de tapas a pairar. Nunca houve uma avalanche de brinquedos nos anos ou no aniversário, recebem normalmente um, dois brinquedos feitos à mão e conhecem quem os fez. Muitas vezes foi o pai. As roupas passam de vizinho para vizinho. As calças do meu filho não entram neste esquema, por razões óbvias. A água não fica a correr, porque senão não sobra para os peixinhos, a luz apaga-se senão o urso polar fica sem gelo.
Pode ser uma loucura, é-o certamente, mas vamos vivê-la o maior tempo que conseguirmos.
Vivemos como Reis com meia dúzia de tostões.

Mas e quando a pergunta chegar, como os proteger ? Como os informar ?

37 comentários:

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    1. Acredito que sim, ignorantes mas felizes. Sinto-me um bocadinho uma ditadora com tanta censura, mas ainda vou conseguindo dormir descansada, a aproveitar bem enquanto a idade dos porquês ainda implica nuvens e estrelas.
      Não tenho nada para ensinar. Gostava muito de saber como descalçam esta bota as mães de crianças maiores, que ja não pode ir por este caminho.

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    2. Actualmente até eu prefiro ser ignorante mas mais feliz. É que eu ainda por cima não consigo fazer isso que fazes, de só deixar entrar a crise depois de eles estarem a dormir...
      Acredito que não é fácil deixá-los sem explicação, especialmente quando eles começam a ter a percepção de algumas coisas.

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    3. Eu consigo porque vivo numa bolha, sem televisão. E porque vivo em França onde a crise ainda não é tão feroz, ou pelo menos ainda não tocou as pessoas que nos rodeiam. A crise aqui em casa entra pelo telefone e pela internet, por isso, é natural que não chegue aos ouvidos dos mais pequenos. Mesmo aos 6 anos, se ouvissem conversas com tom preocupados ja andariam aqui à volta a querer saber do que se trata. Mas não estou muito optimista e acredito que nos benha bater à porta qualquer dia e nesse dia, espero saber o que dizer e como dizer.

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  2. Mas quando eles crescem, como já está a acontecer ao meu, não é assim exactamente tão simples, Carla. Também o sinto preocupado às vezes (tudo o que eu não queria), embora na maior parte do tempo use daquele tom trocista para desdenhar a realidade. Pudéramos nós protegê-los de todos os males e costurávamos uma valente manta!

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    1. Não, não deve ser nada simples. Eu não tenho nada a ensinar. Faço o que faço porque (ainda) posso.

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  3. Houve aquela tentativa de livro para crianças de esquerda e para crianças de direita, que caíu no ridículo. Mas gostava mesmo que se continuasse a tentar arranjar uma solução. O que responder ? Como os proteger ? Como os informar ?

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  4. A asneira foi feita, abrimos o jogo.
    Ficou claro, preto no branco, e quase sem omissões, que o dinheiro que a mãe e o pai trazem para casa é à conta para as despesas fixas, pelo que raramente existirão extras.

    A roupa circula, e mal de mim , com uma mãe costureira, se não tivesse aprendido nada. Ainda ontem à noite me sentei junto à máquina de costura e fiz remendos, apliquei joelheiras floridas, brilhantes de strass, e básicamente recuperei 2 calças de ganga minhas, umas do marido e duas das garotas. Hoje há bainhas.

    Em casa dos meus pais, sempre se comeram as sobras de comida. Em casa dos meus sogros, nem pensar. Em nossa casa, ( abençoado marido que não saiu ao pai, antes pelo contrário e até com exagero...), enquanto houver come-se. Enquanto for transformável, transforma-se. Em fim de linha, temos empadões e recheios de rissois, quando não me ocorre mais nada a fazer.

    Para a escola, lava-se a mochila, recolhem-se lápis e canetas, fazem-se novos molhos com todas as cores, e a conta do início das aulas tem sido bastantante aceitável. Fomos juntas fazer as compras, e o comportamento foi exemplar. E o mesmo se tem passado no supermercado.

    Elas sabem que estamos limitados, mais do que nunca. Sabem que há pouco trabalho na construção, e por isso a mãe não tem ordenado na maior parte dos meses. Sabem que o pai trabalha de dia e de noite para que nada nos falte. E que várias vezes ao ano, às vezes mais do que uma vez por mês, tem de passar uma ou duas semanas no estrangeiro, a trabalhar. E nada lhes falta, pelo menos o importante. Amor, família unida, comida suficiente, roupa lavada, e ainda umas férias em tenda de campismo, coisa que elas adoram ( E ainda bem!!).

    O que me custa, é que depois de tanta explicação, há sempre aquelas coisas que não queremos deixar passar, e mesmo sem termos dito uma palavra elas já estão a perguntar. Percebem se estive a chorar, se o pai veio irritado. Se o fim do dinheiro chegou mais depressa que o fim do mês.

    Por outro lado, ganhamos duas fiscais lá em casa, que me perseguem com perguntas se é mesmo preciso, quanto custa, quanto vou pagar, porque é que dei, porque é que comprei, se não acho que é caro, se não existe mais barato...e porque é que os meninos A,B ou C têm subsídio da escola e nós não, se têm isto e aquilo,porque é que se tem de pagar a visita de estudo e eles não, porque é que tem desconto no ATL e nós não...

    Lamento muito termos tido de lhes explicar tudo. Mas foi necessário para não sermos os maus da fita. E para elas compreenderem o valor das coisas. Explicámos, mas demais. Está feito. Melhor seria que a crise nunca tivesse batido a esta porta

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    1. Não acho que explicar seja uma asneira, a partir do momento em que a explicação seja adaptada à idade e as tuas filhas são grandes e precisam de explicações. A grande questão é que como fazer de forma positiva.
      A crise não devia era ter batido a nenhuma porta, essa é que é essa.

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  5. cá em casa fala-se de tudo sem barreiras. já foi explicado que o dinheiro está mesmo curto, nunca sobra e muitas vezes não chega. explicamos também as maravilhas do saldo negativo e da importância dos subsidios e dos reembolsos do irs: serviam para aliviar o sinal de menos. agora é diferente, muito diferente e é com o menos que contamos.
    não sei se fazemos mal. eu também cresci assim, a saber que a vida não era fácil e por isso, mais tarde, percebi que os meus pais não me abandonaram, apenas tiveram de ir trabalhar para outro país.
    vivi sem dramas e com uma visão mais abrangente da vida, eu acho.
    as lembranças que tenho são essencialmente de amor.
    acho que se as coisas forem explicadas como elas são, não há como não as entender.
    além disso ainda temos muitos extras! temos muitos canais de tv (que quase ninguém vê) e internet... e carro e seguro de saúde.. por enquanto ;)
    este ano, pela primeira vez na nossa vida, recorremos ao banco de livros usados para os manuais escolares da mais velha e para a do meio consegui aproveitar os da mais velha. poupamos 170 euros só em livros!
    o pai cá de casa, ficou um bocado deprimido com a história mas eu dourei a pilula e apelei ao espirito ambientalista: menos papel e plástico para o lixo.
    temos de tentar ver as coisas de outra forma.
    e acho que já todos nos importamos menos de trocar as roupas e livros dos nossos filhos. eu aceito de bom grado e tento sempre dar as coisas que já não nos servem e que ainda estão boas.
    esta é a minha atitude cá em casa. mas o que está a acontecer no nosso país é mesmo muito grave.

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    1. Temos de ver as coisa de outra maneira, sim, existem muitos habitos com que crescemos que eram negativos, para o planeta (Também. Tens razão), mas também para a nossa personalidade. Por que é que pensavamos que precisavamos de tanta coisa ?
      Comecei a ter essa noção antes desta grande crise e comecei a mudar hábitos que me rodeavam porque os achava absurdos, agora calha bem porque poupo e quando a crise chegar forte e feia aqui, já muitos extras foram ao ar sem dor.

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  6. Explicar demasiado não é roubar-lhes mais um bocado de infância? Tal como estudar demais e brincar de menos?
    Se calhar tudo depende das idades e das situações.
    Cá em casa não tenho esse problema, com 2 anos não há questões nem pedidos (no outro dia entrámos numa loja de brinquedos e quando foi altura de sair ele disse adeus aos bonecos e deu-me a mão sem mais nada). Já tentamos ter uma vida simples e sem desperdício, temos os nossos extras mas sem exagerar, e até agora não precisámos de mudar nada. Mas nunca sabemos como vai ser no próximo ano, o trabalho escasseia em todo o lado.
    Não lhe falamos da crise mas levámo-lo à manifestação do dia 15 de Setembro. Para ele foi uma festa, acenava para todo o lado e sobretudo para o helicóptero que nos sobrevoava vezes sem conta.

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    1. Tudo depende das idades, mas esta crise chegou de uma forma demasiado violenta, já me ocorreu ver outra vez o filme "A vida é bela", não estou a comparar as situações, claro, mas a postura do pai.
      As crianças nascem perfeitas, depois deixamos que as estraguem. Deixamos ?

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    2. nunca consegui ver esse filme do principio ao fim. a posyura do pai é uma coisa que toca a loucura e incomoda-me muito.

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    3. Adoro esse filme, talvez haja uma certa loucura, mas existem situações extremas que apenas com loucura se consegue manter a sanidade. Não consigo sequer imaginar o que é passar pelo que passaram os judeus nessa altura, mas acho natural que um pai queira amenizar uma situação tão dura como aquela.

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  7. Concordo com a questão de só explicar se as crianças explicarem.

    O discurso deve ser adaptado à criança, não só à idade. Os pais devem conhecer a personalidade dos filhos e saber o que é importante que eles saibam sem mentir, mas também tendo cuidado para não assustar as crianças mais inseguras. É difícil e é preciso uma sensibilidade quase extraterrestre para saber ao certo o que dizer e como fazê-lo mas não é impossível.

    Quanto à questão da água e da luz. Antes da crise deve existir o respeito, pelos outros, pelos animais, pelas plantas, por tudo. E o respeito implica utilizar apenas o que é necessário, não desperdiçar recursos, quer seja pelos peixinhos, pelo urso polar ou pelo pó que paira no ar.

    O problema do aquecimento global parte da falta de respeito pelos outros e pelo egoísmo.

    E pronto. Penso que é tudo

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  8. Desculpem mas na primeira frase queria dizer: "só explicar se as crianças perguntarem". Sei que perceberam mas era só para reforçar a ideia

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    1. Resta-nos ficar à espera que nos surja essa sensibilidade extraterrestre no momento certo. Quando fui mãe, procurei livros e livros de psicologia, para perceber como agir - porque é que ela não para de chorar ??? - depois enchi-me de auto-confiança e deixei-me disso, passei a contar com o meu (bom ?)senso e com a parte vinda de outro planeta que todos temos. Mas esta questão (e deverão surgir muitas mais) não me deixa continuar assim. Porque ja vi de tudo, filhos com medo, filhos preocupados, filhos com conversa de adulto desencantado, filhos a pensar nos pobrezinhos como se fossem de outra espécie. Todos filhos de pais bem intencionados.

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    2. eu acho que tudo vai da maneira como nós encaramos as coisas.
      vou dar um exemplo: a minha filha mais velha nasceu alérgica ao ovo. uma alergia mesmo séria que a ía levando desta pra melhor logo da primeira vez que comeu um ovinho mexido. tinha 9 meses.
      lembro-me de uma vez estar com ela num café e ela perguntar se podia comoer qualquer coisa, que nós não tinhamos a certeza se levava ovo. eu disse-lhe muito rapidamente "ja sabes que é melhor não arriscar. não podes, não podes. come pão com manteiga". ela lá comeu o pão com manteiga mas a senhora que estava a ouvir a conversa disse logo que eu estava a traumatizar a criança.
      eu nem lhe respondi pois eu é que sei o que sempre fiz para que a minha filha não se sentisse mal com esta diferença. sempre a tratei normalmentee nunca dramatizei a questão. muitas vezes me irritei com a minha mãe e sogra (com elas em particular) pela conversa do coitadinha não pode comer.
      também nunca arrisquei e sempre tive o máximo cuidade. não dúvida não se come e mais nada. o assunto era mesmo sério.
      e acho que é assim que eu falo agora da nossa conta bancária.
      de resto, tenho-me tornado um ser humano mais consciente e acho que todos temos evoluido muito.

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    3. Tenho um medo terrivel das boas intenções nestes casos, querem proteger, mas usam palavras como "coitadinha" que é muitas vezes destruidora.
      Os meus filhos de vez em quando, são "coitadinhos" porque não têm televisão, porque não comem gomas todos os dias, porque quando alguém lhes fala do MacDonald a unica coisa que lhes vem à cabeça é o "Olda McDonald had a farm", porque não têm mais brinquedos do que aqueles que precisam.

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  9. Gostei muito do que aqui contaram sobre o modo como se convive com a crise e se fala disso aos miúdos. Dizer a verdade é fundamental, penso eu, e a única questão é saber escolher as palavras.
    E saber olhar para "the bright side of life", mesmo como crucificado (hehehe), é uma grande sorte.
    Lembro-me de uma vez termos tido de dormir no carro, porque a autoestrada estava completamente entupida e todos os hotéis cheios. Tínhamos um Ford Mondeo, carrinha, pelo que passámos a tralha para os dois bancos da frente, baixámos os de trás e dormimos os quatro ali mesmo. Foi uma noite desagradável: o "colchão" não era bom, não tínhamos espaço. Mas no dia seguinte a minha filha disse com um ar muito contente: "que grande sorte termos um carro onde podemos dormir!"

    Não me parece que andes a esconder a verdade aos teus filhos, Carla. Vocês já vivem no quotidiano a vossa verdade: que não é poupar por causa da crise, mas viver uma vida simples e com preocupações ambientais, sem embarcar em ilusões de consumo.
    Enquanto lia os comentários, ocorreu-me um artigo que li numa revista americana, em 2009, escrito por uma jornalista free-lance, que devido à crise nos EUA se viu de repente com muito menos dinheiro. Contava ela que durante esse inverno se embrulhou muitas vezes num cobertor, com a filha, porque não tinham dinheiro para pagar o aquecimento, e liam os livros da Laura Ingalls ("uma casa na pradaria"). A Laura Ingalls escreve uma autobiografia da sua infância, aparentemente em tom optimista e sem auto-comiseração. A jornalista dizia que as ajudou imenso terem-se identificado com aquela miúda, terem realmente mergulhado na vida dela durante esse inverno difícil: comparado com a vida na cabana da família Ingalls, o apartamento gelado em que viviam parecia-lhes um palácio. E o facto de a Laura Ingalls ter conseguido dar a volta deu-lhes esperança de que também para elas tempos melhores viriam.
    Eu sei: é uma história tipicamente americana.

    Não sei é se tempos melhores virão. Isto parece ser uma crise estrutural e mundial. Num mundo globalizado, como é que a Europa se poderá posicionar para manter o nível de vida a que nos habituámos nas últimas décadas?
    E outra questão que me preocupa cada vez mais: quando os chineses e os indianos, por exemplo, tiverem a possibilidade de viver como nós (carro, viagens de avião e consumo intenso), será que o planeta vai aguentar?
    Do ponto de vista ético, só há uma solução: a igualdade de nível de vida em termos planetários tem de acontecer a um nível inferior àquilo a que nos habituámos. Teremos de reduzir o nosso standard.
    Tenho amigos que já fazem isso: mesmo que possam pagar férias em locais distantes, ficam na região onde vivem ou onde podem chegar de carro, para não contribuirem para o aumento da poluição.

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    1. A ideia de se ler esse livro, ou esse tipo de livros, é excelente, como é que vou escrever isso em néon ? Nunca o li, mas claro vi a série. Acredito mesmo que possa mudar a prespectiva das crianças. E dos pais também, esta coisa de nos preocuparmos muito coms as crianças e nada com os pais é muito contraproducente, como é que um pai deprimido consegue passar uma mensagem optimista ao filho ?

      Também conheço um casal que cortou nas viagens ao estrangeiro com essa preocupação e sempre que pode prefere o comboio ao carro.
      Isso (ainda ?) não consigo fazer, ainda não considero as viagens como um luxo. Mas acredito que daqui a uns anos ao ler isto me considere profundamente egoista e inconsciente. Esse casal fala das pessoas como eu, numa anedota : pessoas preocupadas com a ambiente todo o ano, que compram bio, que escolhem produtos com menor embalagem, que reciclam, que não usam sacos plastico, que poupam recursos enérgicos e criticam quem não o faz (muitas vezes por falta de consciência, outras mesmo por falta de dinheiro) e depois partem em viagem varias vezes ao ano, aumentanto a poluição não sei quantas vezes mais do que quem vive todos os dias a borrifar-se para o planeta, mas que vai passar férias na terra ao lado, ou fica em casa. Eu, não sei porquê, não rio muito dessa anedota.

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    2. Ai! Sinto-me completamente apanhada em flagrante. Esse casal descobriu-me a careca!

      Tenho andado a evitar falar disto, porque é uma perspectiva um bocado miserabilista, mas: nasci nos anos sessenta, e vi como era a verdadeira pobreza - uma vizinha da minha avó tinha duas filhas, e apenas uma muda de roupa e sapatos para ambas. Uma ia de manhã à escola, a outra ia à tarde, com a mesma roupa que a irmã levara de manhã. Outra vizinha tinha 15 filhos. As raparigas, mais ou menos da minha idade, estavam encarregadas dos bebés, enquanto a mãe andava nos campos a trabalhar. Passávamos o dia na rua nas brincadeiras normais dos miúdos, que eram interrompidas sempre que um dos irmãos pequeninos acordava e começava a chorar.
      Andamos nós aqui a pensar como dizer certas coisas a miúdos de 6 e 8 anos, quando as pessoas da minha geração perceberam isso bem mais cedo. As miúdas de 8 ou 10 anos faziam o almoço para a família toda. E havia autênticas disputas, porque cada sardinha era para dividir por três pessoas, e a própria cabeça se tornava um petisco de luxo.
      Talvez a vida boa e a infância protegida a que estamos habituados não seja algo assim tão natural e evidente. Talvez tenhamos vivido um momento áureo da História europeia, e esse momento esteja a passar. Mas duvido que algum dia regressemos à extrema miséria do Portugal dos anos 60 e 70 (e anteriores, claro).

      Outro dia hás-de contar como é isso de criar filhos sem televisão. Nós tentámos, e o único resultado foi filhos viciados em televisão, da forma mais acrítica possível. Se apanhavam a caixinha ligada, ficavam ali vidrados como se fosse a coisa mais fantástica do mundo.

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    3. os livros de Uma Casa na pradaria, curiosamente, mudaram a minha vida. Gostava da série, mas quando li os livros, ainda em garota, o meu cérebro deu uma volta, e por isso família e amigos abanam a cabeça, e dizem "está doida", quando eu decido aprender a fazer ( e faço), pão,fermento, queijo, sabão, massa,costura, trabalhos manuais diversos, mecanismos simples, máquinas primitivas,cuidados de saude, agricultura de jardim...
      Mas no meu intimo, sei que se um dia as coisas piorarem muito mais, a minha família e a minha comunidade pode contar comigo para encontrar soluções simples, de baixo consumo energético. Como se vivia há 150 anos, ou mais. E não consta que a população se tenha extinguido

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    4. Vou a correr comprar esses livros.
      Fazes queijo ? Preciso urgentemente de aprender a fazer queijo.
      Essas soluções simples interessam-me muito, que venha o Euromilhões se quizer, que vou continuar a querer aprender mais sobre viver de uma forma mais natural.

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    5. Carla, quando fores minha mãe, ofereço-te estes livros para lermos as duas em voz alta uma à outra - que achas?

      Margarida, depois dessa descrição, fiquei mesmo com vontade de ler os livros!

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    6. Sim, levo-te aos parques e jardins maravilhosos que por aqui existem e depois vamos ler para os cais do Sena. Descalças. E faremos picniques no Vert-Galant. Com direito a champagne e tudo. Ah ! As maravilhas de se ter uma filha emancipada.

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  10. Sim, nada mata acredito que haja muitas formas de se ter uma infância feliz, o meu avô começou a trabalhar depois d acabar a quarta classe e fala-me da sua infância com os olhos a brilhar.
    Mas uma criança é uma criança e é uma criança. Faz-me confusão ver crianças adultas. O que é que eu estou a dizer ? Até me faz confusão ver adultos a serem adultos no mau sentido da palavra. (sendo que um "adulto", no bom sentido, é uma pessoa que compreende que a vida depende dele e que a pode mudar quando quiser). Tenho muito medo em entrar em compromissos demasiado cedo, de aceitar as coisas com muita facilidade, de racionalizar tudo e ser razoavel, quando ainda se pode sonhar e quer ir mais longe e acho que isso vem da minha infância. Por vezes dou por mim a pensar que fui demasiado longe e tenho que voltar a trás (às vezes com vergonha), mas acho preferivel voltar a tras, do que parar cedo demais.
    Não tive uma infância rica, os meus pais tinham acabado de vir de Moçambique com quase nada nos bolsos, mas não tive uma infância séria, tudo me foi poupado, nunca percebi que não havia dinheiro, nunca me dei conta que havia problemas, isso aconteceu apenas na adolescência. No caso dos meus pais aconteceu apenas aos 26 anos. Não estou a fazer a apologia da ignorância, mas acredito que ha alturas na vida que é importante acreditar mais no pai natal, do que na divida publica.
    O que noto é que muitas pessoas com que me cruzo da minha idade são muito fatalistas, muito derrotistas, não têm coragem para se questionar, não gostam do trabalho, mas olha é assim ... não se questionam, não têm problemas internos criados pelos varios caminhos que poderiam ser possiveis, mas no exterior têm uma vida que não lhes agrada e quando ao interior, confessam-se tristes. Quantas vezes cortaram-me uma conversa sobre problemas importantes, com um "não quero pensar mais nisso..." ?
    Acredito que seja porque nunca tiveram uma altura na vida em que acreditaram que tudo era possivel. Como é que depois podem acreditar com 40 anos, facturas, responsabilidades, problemas e cansaço ?

    Em relação à televisão é muito facil, não ha, não se liga. Nunca foram habituados, por isso é normal. Desde que vim para Paris (10 anos), nunca tive televisão, diziamos que quando sentissemos necessidade comprariamos, nunca sentimos. Os miudos nasceram e cresceram, entretanto, e às vezes pedem desenhos animados e vêem um DVD no computador, mas como não existe um grande aparelho na sala (às vezes ligado o dia todo "para fazer companhia") esquecem-se e passam-se semanas sem pedirem. Olha, lá têm que ir brincar !
    (Mas sim, há varias histórias sobre a televisão, um dia conto)

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    1. Carla, estou tentada a concordar contigo. Há um tempo para tudo.
      Quanto ao que se conta às crianças: talvez o melhor seja responder apenas àquilo que elas querem saber.
      Lembro-me de ter cinco ou seis anos, e perguntar à minha mãe porque é que os avós não viviam na mesma casa, e ela responder "ainda és muito pequenina para perceber isso."
      Lembro-me bem da minha revolta. Pensei: "responde à minha pergunta, e logo se vê se eu percebo ou não!"

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    2. Existe um tempo para tudo, tem que existir.
      Quanto às perguntas das crianças acho mesmo que temos que responder sempre, agora com mais ou menos detalhe, com mais ou menos drama.
      A televisão, uma vez mais, para mim é demasiado violenta, não quero nem imaginar o que pode fazer a uma criança. Sendo que não sei o que me aflige mais, se a banalização do drama dos outros, se o trauma. Estou a pensar, por exemplo no caso de um menino que teve pesadelos recorrentes por causa das imagens sobre o tsunami no Japão.

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  11. Eu tb não conto nada mas a minha mãe lá vai deixando escapar grrrr

    Eu desdramatizo, acho que aos 6 anos têm de ser livres para serem crianças (e a mim cabe-me filtrar uma certa realidade- pelo menos para nós funciona), a minha já tem inseguranças que cheguem, tristezas que cheguem, etc. A vida nem sempre é perfeita, e enquanto puder vou mesmo dourar a pílula.
    E sim, sem TV é mais fácil ;)
    E sermos frugais qb também :P

    Catarina

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    1. Eu até para mim douro a pilula, se queres saber a verdade toda...

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  12. Quando há perguntas, dou respostas - simples e sem dramatizar. Visto que o meu mais velho é perguntador em série... Mas ainda que não fosse, ainda que nós não tivessemos de restringir nada, mesmo assim contava alguma coisa. Acho mesmo que a consciência social faz parte da educação de qualquer criança, só é preciso adaptarmos o discurso à audiência. Como já aqui disse antes, as únicas tretas autorizadas cá em casa são o Pai Natal, a Fada dos Dentes e os duendes da floresta.

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    1. Concordo que a consciência social faça parte da educação das crianças, mas com peso e medida.
      E por prioridades.

      Aqui em casa, quanto mais treta melhor, e se for a pesar na balança não sei quem produz mais, se os pais, se as crianças. Eles são muito espertos e existe muita coisa que sabem que é treta e mesmo assim continuam a alimentar. Não existe sempre um limite muito claro entre a realidade e a imaginação.

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  13. Também depende da idade deles e da forma de ser, não? A mim as doses industriais de realidade* não fizeram demasiada mossa,acho até que me tornaram ainda mais sonhadora.

    *exemplo aos seis anos: "não, não podes ser bailarinas, porque há os filhos dos ricos que podem ser o que quiserem e há os filhos dos pobres que não têm direito a escolher".

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  14. Bolas, eu aqui a estabelecer uma teoria toda certinha e depois vens tu. Tens razão, nunca se pode ter a certeza de que consequências vão sair (e vamos ter que assumir) dos nossos actos. Boas intenções leva-as o vento. Realidade dura também pode dar numa pessoa cheia de sonhos. Claro que pode. Tudo depende e nem sempre sabemos do quê.
    Qué sera, sera.
    Mas eu gosto tanto, tanto desta bolha de unicornios, eu sei que não vai durar para sempre, e que tenho interesse em abri-la aos poucos, para que depois não dê em explosão.
    Hoje almocei apenas com a minha filha, nem imaginas onde é que a conversa dela me levou, opa é tão bom viver num mundo assim, é que tudo é mesmo possivel. Deixa-nos aqui so mais um bocadinho. Depois la vamos. Depois, depois.

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