30.9.14

Soroche


Arequipa, a cidade branca. Arequipa, a bela. Arequipa, a jóia colonial.
Arequipa, que mal te fizemos ?
Existem muitas maneiras de conhecer uma palavra nova, a pior é como conhecemos a palavra "soroche". Esta é uma palavra que vos deixa um dia inteiro na cama, outro na casa de banho.
Fosse eu uma extremista lexical e acrescentaria que a deviam riscar do dicionário.

Arrastamo-nos no final do dia até à Plaza de Armas, a duas quadras de onde pensamos nunca mais sair. Estava sol, era domingo. Uma senhora vendia alpista para os pombos. Muitos compravam. Os meus filhos, parisienses formatados, não percebiam aquele amor àqueles pássaros, depois de tudo o que tinham ouvido na cidade luz, estavam convencidos que aquelas crianças cobertas de pombos, não iriam resistir e acabariam por morrer ali, fulminados por uma alguma doença. Mas aquele seria um domingo sem historia.
As famílias deixavam-se tirar em fotos, por fotógrafos profissionais que depois atravessavam a rua a correr para uma qualquer revelação. Mulheres tentavam vender bonecos e bolas de plástico feitos na China, à frente do cartaz em plastico amarelo "Prohibido el comecio ambulatorio". Mulheres vestidas com fatos tradicionais e um cordeiro convenciam distraídos a tirar fotografias com elas, a troco de una propina, señor. Um homem armado de um crucifixo e de uma bíblia esperava a sua vez, num canto que nos fez pensar no speakers corner, actualmente ocupado por dois palhaços. Queria falar acerca da homossexualidade. Um homem com uma maquina de escrever, anotava anacronicamente o que outro lhe ditava.
Fomos convencidos por um angariador, a subir aos balcões para comer, o que só prova que não íamos bem. A meio das escadarias, o francês ainda balbuciou vamos comer três vezes pior e cinco vezes mais caro, mas não conseguiu forças para fazer meia volta.
A comida não era nada de especial, mas também não era assim tão cara. A vista deixava-nos continuar a ver o que se passava no local mais agitado de Arequipa. Sentados. Moribundos. 3000 e poucos metros de altitude, foi o que nos bastou.
Julgamos morrer no nosso lugar ao sol, enquanto um policia dava um longo sermão a duas cholitas que se riam dele. A minha filha falou de amor.

Não sabíamos ainda que iríamos ressuscitar no pequeno-almoço seguinte, no ultimo andar do nosso hostel, com vista para o vulcão Misti, que em 85 fez 19 mortos : seriamos oficialmente apresentados às folhas de coca.
Novamente vivos, íriamos, finalmente poder visitar uma morta.

4 comentários:

  1. Olha que essa é bem capaz de ser a melhor maneira de conhecer uma palavra nova. Antes essa do que a minha: sentada no sofá a perguntar ao google.

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    1. Depende, depende. Existe uma vasta lista de palavras que são bem mais interessantes na teoria do que na pratica. Que, inclusivamente, deveriam apenas existir na teoria.

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  2. Ui, só com a descrição que encontrei já fiquei meio zonza!
    Entretanto estava aqui a pensar como será viajar sabendo que não acaba dali a uns dias. Quer dizer, vocês têm um tempo limitado para cada sítio mas não vão voltar à vossa "vida" brevemente. Deve ser uma sensação ENORME.
    p.s: sou a que costumava comentar como Cat, devo estar a perder a vergonha!

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    1. Para dizer a verdade é tão enorme, que é a parte mais dificil de se crêr. Estamos a viajar ha menos de um mês, ainda não temos a noção do que é uma grande viagem.

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