E na minha cabeça, uma história negra.
Fora dela, um convite para um piquenique, numa ilha sem carros.
Mãezinha, vesti-os de impermeável, pullovers, botas. Vai estar frio.
E ninguém a prestar atenção àquelas nuvens cinzentas.
Meio-dia e eu queria escolher uma das praias desertas, para esticar a grande toalha.
Ali em cima, não. Que os miúdos ainda se atiram da falésia.
Pensaram que estava a brincar e continuaram caminho. Riam de mim.
Segui-os e fi-lo descansada.
Tento, sempre que me lembro, não dar muita confiança às minhas intuições.
Cansar as pernas. Subir. Subir.
Por onde olhasse, via mar, sol e o sorriso dos meus.
Fotografei-os, não vou viver e ficar sem estas imagens. Nunca fiando na memória. Nunca fiando.
E dentro de mim, a história paralela, sem arredar pé.
E sempre.
E outra vez.
Ninguém caiu da falésia. Nunca chegou a chover.
E até eu fui feliz. Devo-me ter distraído, a algum momento.
Culpo a cidra. Afinal, até estava fresca e tudo.
E o cansaço de percorrer aquela ilha sem asfalto.
Muito mais fácil não se pensar, quando corre tudo pelo melhor.
Ou mesmo quando anda tudo benzinho.
E é isso que eu não quero :
Parar de pensar.
E em mim, a história que não devia ter acontecido.
E Tristeza. E Impotência. E Frustração.
Tirei fotografias do meu filho a saltar de cima de todas as pedras, de todas as dunas.
A minha filha chamou-me para vermos "televisão" :
uma rocha cheia de buracos,
em cada buraco um ninho,
em cada ninho uma nova vida,
por cada nova vida, uma andorinha a preocupar-se.
Tive quase a certeza que havia novas vidas a serem alimentadas por varias andorinhas.
Mas é primavera, é normal teimar em ver amor e coesão em tudo.
Muito filme, muito Bambi na infância.
E fotografei-os, e fotografei-os e fotografei-os.
Vão ser sempre assim.
Não vai poder ser doutra maneira.
Como é que eu ia viver se fosse diferente ?
Como é que o mundo ia continuar, se lhes acontecesse alguma coisa ?
Não pode ser, é impossível.
Nada lhes pode acontecer.
As coisas não são assim.
(E as outras histórias. Insisto.
E as impossíveis que um dia aconteceram, como é que vivemos com isso ?
E como vivemos com elas no meio da nossa vida ?)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Não sei. Alguém sabe?
ResponderEliminarEspero que sim. Terão havidos muitos mortos por causa daquilo que ouviram nas noticias ?
EliminarQuase todos queremos saber o que se passa no mundo, das atrocidades do Ruanda, à guerra na Crimeia, mas e depois como é que se gere esse conhecimento no quotidiano ?
Onde ficam stockadas as imagens de terror ? O que acontece quando se verifica um curto circuito ?
Quando era ainda uma adolescente e falava das coisas que me afligiam no mundo a minha mãe dizia-me que eu não podia carregar o mundo às costas. Ficava danada. Ainda hoje carrego tanto disto no coração. Questiono-me como podemos viver a tentar passar entre as gotas de chuva enquanto outros estão no meio do furacão.
ResponderEliminarEspecialmente, quando existem casos que até podiamos, ao menos tentar, ajudar.
EliminarTentar estabelecer uma espécie de equilibrio. Não sei.
Sim, temos de ao menos estar alertas (e actuantes) em relação ao que está ao nosso alcance. Estava a tentar saber notícias do caso da Carolina, não tenho a certeza mas acho que está bem encaminhado.
EliminarEssa é uma certeza que eu gostava muito de ter, acredita.
EliminarVive-se, não há outra forma.
ResponderEliminarÀs vezes podemos fazer alguma coisa, outras não. Vive-se com isso,não há outra forma.
Vivemos. E um dia, se nos acontecer o impossivel, vamos viver também com a falta de apoio dos outros. Sozinhos. E vamos achar normal, porque não havia outra forma. Afinal, nunca tinhamos vivido realmente em sociedade.
EliminarEmpatia não é apoio. Não há outra forma, vive-se com isso...
EliminarNão, empatia não serve para nada.
EliminarTalvez para dar balanço e fazer-se algo mais a seguir. Mas, por si so, vale mesmo muito pouco. Eu sei.