6.1.14

Pode demasiado essencial, matar o essencial ?


Desde que saí de casa dos meus pais, esta ganhou braços tentaculares. Tudo, e a cozinha, são ventosas.
Os pequenos almoços que acabam com um cafézinho, que é também o aperitivo de um almoço que se faz num instantinho, espera aí só mais um bocadinho, que depois acaba noutro cafézinho, que antecipa um lanche rápido, com muitas aspas e mais um bolinho, que acaba num cappuccino que impõe reticências nesta frase, que, caso contrario, ganharia vida. Bacalhau espiritual na caixa dos comentários, arroz doce nas novas mensagens, sonhos nas etiquetas.
De Paris tinha agendados, a tinta permanente, alguns encontros e espectáculos que queria ver e mostrar. E viver, como se diz agora na publicidade. Do que tinha ficado por combinar melhor, nada aconteceu, como é normal em visitas relâmpago, e eu já devia saber disso.
Tento sempre, apesar dos pesares. Mas fica sempre mais por fazer, do que o que é feito.
Culpo, evidentemente, a mesa bege com prolongamentos, da sala de jantar.
Nestes dias, a minha mãe deixa-me sair à noite, num acto de modernidade, mas tem primeiro que saber onde vou, com quem fico e se levo o casaquinho. Aquilo custa-lhe, mesmo que ela diga que não, acrescentando que sabe perfeitamente que este ano vou fazer quarenta anos. Mas estamos tão bem aqui no sofá. Lá fora faz sempre frio. Pode ser o Dezembro mais quente e solarengo da historia de um pais de clima ameno, mas um bom aquecedor dá sempre jeito. E é verdade que nas esplanadas, as senhoras de casaco de lã se queixam do tempo. Vamos para dentro.
Vamos à praia. No final do dia 25, vamos ao Tivoli em excursão de quatro gerações. Do Lago dos cisnes, a minha avó  concluiu : fabuloso. Achei o adjectivo delicioso e quase que o comi.
Como é que não nos tinhamos lembrado disto antes ? Todos juntos, sentados. Mesa, sofa ou teatro.
No Politeama vimos com os primos um Robin dos Bosques definitivamente em collants, no restaurante, houve mais animação debaixo da mesa, do que em cima. Hamburguers, outra vez. Salvou o molho e a companhia, os laços de sangue e muita permissividade. Esta nova geração parideira deixa muito a desejar. E assim estamos bem melhor. Na quinta da Regaleira, tive uma boa surpresa, que passo a recomendar : Ide. E no Museu de Arte Antiga, a família Brughel continua a marcar pontos, mesmo depois de todo este tempo. Estranhei a evidência da organização : quadros no campo para um lado, quadros com luz, para outro, mas devo ser eu que estou mal habituada. Não é de se ligar. Visitei pela primeira vez os jardins do museu, o que agora me parece algo impossível. Disseram-nos que a Aldeia de Natal era um embuste e que não nos aproximassemos.Obedecemos. Mais acrescentaram, que a Confeitaria Nacional, já não é o que era e encaminharam-nos para a Benard. Fomos às duas. Na casa dos Bicos começamos a ler a quatro olhos o Viagem a Portugal. Para nos prepararmos melhor para o Verão que vem.
E andamos, andamos, andamos. E sentamo-nos, sentamo-nos, sentamo-nos. Chuva, sol, vento. Tudo isto entre o cafézinho do lanche e o aperitivo do jantarinho. Um beijinho na sobrinha luminosa. Uma dança familiar com gin e balões dourados. Um abraço colectivo. E assim, passou tudo num instantinho muito pequenino.

12 comentários:

  1. A tua mãe sabe bem a sorte de ter uma filha que é tão boa menina, essa é que é essa. A técnica do boomerang alimentar é muito antiga, folgo em ver que ultrapassa tempo, espaço e ainda desafia a teoria da relatividade geracional.

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    1. E depois alterna receitas novas, com pratos antigos que eu nunca soube fazer. Isto é técnica que se deve aprender em algum lado. Tanta ciência, assim...

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  2. Não sei se hei-de festejar ou lamentar o facto de também por aqui a casa materna ter tentáculos e a minha mãe continuar a tratar-me como se não vivesse sozinha há 4 anos. Ainda vou no meio dos 20s, por isso saber que isso acontece a outras pessoas perto dos quarentas leva-me a temer que é coisa para não acabar.

    E ao ler este post reparei que desta vez vivi muito pouco Lisboa, muito pouco mesmo. Quero ir a todos esses sítios e não me lembrei de nenhum quando estive em Portugal. Que venha o verão! :)

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    1. Piora com a emigração, de cada vez que regressamos a casa materna, voltamos à pré-adolescência. E em variadas facetas.
      O Verão, parece tão longe.

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  3. Como se costuma dizer, é Natal, ninguém leva a mal.

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    1. Caraças, agora isso diz-se de todas as festividades, férias escolares e fins de semana alargados ? :D

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  4. passou tão depressa que a J. ainda tentou ligar para irmos jantar e não conseguiu :). fica para a próxima :)

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  5. Impressionante: quantas vezes nas duas semanas que passei em Portugal ouvi alertas para me agasalhar, nao me esquecer de trazer mais um casaquinho, quantas vezes fui aliciada a ficar no conforto fisico e sentimental do lar, para nao me aventurar pela noite, porque se esta muito melhor dentro de casa, para comer qualquer coisa, para nao ficar em fraqueza :)

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    1. Este é um post muito mais universal do que eu pensava, estou a ver...

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  6. E isso acontece também quando lá vamos semanalmente, agudizando-se no convívio do Natal. E é tão bom o miminho!
    Que post tão lindo, tão apaziguador, que encontros e passeios deliciosos.

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    1. Não sei se conseguiria sobreviver a uma dose destas semanalmente. Mas homeopaticamente falando, é bastante ... delicioso, sim.

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