19.11.13

Perdidos e achados em Cotswolds


No pub Kingsbridge, em Bourton-on-the-water, sentamo-nos com vontade de nos descalçar. O cão do vizinho e o meu filho optaram por rebolar, no chão coberto de carpete. Não digo nada, toda a gente sabe que as mães "francesas" são muito permissivas. As donas dos cães inglesas, idem.
Ninguém se importa, todos demasiado ocupados a jogar o seu quiz - da minha mesa, detectei, pelo menos, dois respeitáveis cidadãos com um interesse súbito pelo seu smartphone. A pergunta tinha a ver com a censura no Facebook, a unica que eu sabia. Assim anda a minha cultura geral.
Enquanto continuávamos o nosso estudo aprofundado das cervejas locais, ela colava os autocolantes no livro sobre o mundo de William Shakespeare. Tinhamos passado o dia em Stratford-Upon-Avon. Na casa onde supostamente nasceu o William, no quarto onde, aparentemente, dormiu com os pais até aos cinco anos. Provavelmente vestido de menina e coberto por uma manta vermelha, para não ser raptado pelo diabo. A minha filha a fazer perguntas em francês, ao guia do museu e eu, a fazer o melhor que sei, a traduzir a conversa. As meninas valiam menos que os meninos, nem ao diabo interessavam, para o enganar, vestia-se todas as crianças de meninas. Nem sequer iam à escola, etc.
O meu filho, entretanto, tinha-se fartado na parte sobre a loja de luvas e lã da familia Shakespeare, e tinha fugido para o quintal, o pai a correr atrás. Encontramo-los meia hora mais tarde, boquiabertos, a assistir à declamação, bastante teatral, de excertos de Macbeth, ou de Henry V, numa versão avançada dos discos pedidos dos anos 80.
O meu filho já não quer ser cão - carreira que o entusiasmara durante anos a fio - agora quer vestir-se de vermelho, ser o centro de atenções a declamar to be or not to be, that's the question, com uma voz forte e receber aplausos no final.
As viagens mudam vidas.

Numa tendência muito nossa, de querermos enfiar o Rossio naquela pequena rua que vai dar aos bolos da Confeitaria Nacional, tinhamos feito uma lista imensa de lugares a visitar nos poucos dias que nos restavam desta vida. Desta boa vida. Tinha recomeçado, então, o tempo de barrar o imbarravel. A cada traço, a promessa que voltariamos. Bath, Castelo de WarwickBristol, Canterbury, etc.
Em troca, andamos perdidos a virar à esquerda ou à direita, porque alguém no carro assim o entendia, sem mapas. GPSs nunca aqui entraram, antes por convicção, agora ja não sabemos bem porquê.
Um carro perdido, a encontrar aldeias e estradas de que nem sequer tinhamos ouvido falar, antes desta viagem : Slaughters, Castle Combe, Lacock...
Devem ser estes três, uns dos preços da liberdade : saberemos o que perdemos se tivéssemos seguido o caminho traçado; sentirmo-nos um bocado perdidos e, com sorte, ganhar rugas nos cantos da boca.

13 comentários:

  1. Será que eu também ando a precisar de rebolar no tapete para exercitar as rugas nos cantos da boca? Agora deixaste-me a interrogar-me.

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    1. Pois, é uma questão de experimentares. Tira fotos e faz um post.

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  2. Que espectáculo de paisagens. Adoro!

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    1. Também eu, também eu. O Outono em Inglaterra é lindo e recomenda-se.

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  3. Estes últimos posts têm sido um deleite para a vista e para a imaginação. Recomeça a fervilhar a vontade de explorar essa Grã-Bretanha toda

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    1. The Cotswolds deve ser a região mais honesta que visitei. Milhas e milhas de estrada e de campo sempre com a sensação que o tempo parou, nem uma casa a destoar, nem uma leve tentativa de arquitectura moderna. Os carros, pelo menos os carros, não pertencem ali. Fazendo um leve exercicio e consegue-se imaginar facilmente como seria a vida ha um século atras.

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  4. Nada como o campo inglês, para quem ama paisagens rurais. Vivia para sempre num lugar assim.

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    1. Sempre é muito tempo, mas a uns largos meses não diria que não.

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  5. Moro a 40mins dessa zona, reconheço bem o lugar das fotos....é tão lindo não é? Pena tanta chuva. Pub quizz é obrigatório à segunda feira. Já é instituição nacional.

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    1. Muito.
      Tivemos sorte com o tempo, pelos vistos. E com a ausência de turistas, o que é mais do que sorte. Principalmente depois de ter visto fotos destes lugares (Bourton on the Water e Stratford Upon Avon) no Verão. Vives em Bath ?

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Olá, não. Vivo em Bristol. Namorei muito tempo com alguém de Bath e conheço bem a terra e arredores. Hoje em dia evito-a um pouco (más memórias) . Mas gosto muito muito de Cotswolds. O meu quadro favorito comprei-o numa galeria de arte de uma das muitas aldeiazinhas.:)

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  8. Pronto, pronto, não se fala mais nisso. ;)

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