22.4.13

Beijos. E não são as formigas que estragam os meus piqueniques

2003. Estávamos no cais do metro, apaixonados, ainda não tínhamos filhos, vivíamos em países diferentes e viamo-nos apenas aos fins de semana. Enquanto esperávamos o metro na estação Hôtel de Ville, beijavamo-nos.
Um homem aproximou-se e num tom agressivo reprimiu-nos, que estavam velhinhas por perto, que devíamos ter vergonha. Decidimos ignorar, virar costas, sair dali, deste tipo de loucura de que não se espera grande coisa. Nem sequer entramos no mesmo metro, via-se que tinha vontade de continuar o sermão, de subir de tom, de resolver todos os seus problemas ali e agora. O metro levou-o.
Uma das senhoras aproximou-se isto está a ficar cada vez pior, este louco nem deve saber que foi aqui mesmo em cima que foi fotografada a célebre foto do beijo de Doisneau. Eles vêm dos países deles e querem impor a sua cultura, o seu fanatismo, qualquer dia andamos todas de burka. E depois ainda querem que se dê o direito de voto aos estrangeiros, acrescentou, sem se questionar acerca da minha nacionalidade. Seja como for, é sabido que violência gera violência e preconceito não pode dar origem a abertura de espírito. Estamos cercados.

Nos meses que correm, com a nova legislação sobre o casamento para todos, dou por mim a testar os meus limites de paciência democrática. Tento ficar zen. Tento ficar zen com o aumento de agressão física aos homossexuais, tento ficar zen às fotografias de famílias sorridentes mamã, papa, filhinhos, a mostrar a cores que só eles têm direito àquela felicidade, tento ficar zen com o aumento de estupidez e ignorância nas ruas, nos protestos e mesmo no hemiciclo. Tento ficar zen, às ameaças de morte que uma blogger recebeu apenas por querer mostrar o seu ponto de vista. Zen perante o receio que as mães têm de ver os seus filhos maltratados por serem filhos de homossexuais.
Mas há mais de quinze anos que larguei o yoga, não tenho a certeza que ainda me lembre de todos os passos. E gas lacrimogénio também nunca matou ninguém.

Ontem fomos a um piquenique no jardim do Luxemburgo, a relva que se pode pisar é mínima e almoçamos todos em cima da toalha uns dos outros. Ao nosso lado, dois homens apanhavam sol, numa garrafa de red bull uma rosa branca. Do outro lado, um grupo enorme, uns vinte de sapato de vela, camisa às riscas, dentes brancos. Impressionavam-nos com as suas bandeiras e as suas camisolas cor de rosa, com as suas boas maneiras e as suas ideias. Vão salvar o mundo - se ao menos o fizessem longe de mim e dos meus - à hora certa levantaram-se, ofereceram-nos os bolos que lhes tinham sobrado, tão educados, non merci, dissemos sem um unico sorriso heterossexual.
Que fossem depressa e para longe, que não contaminassem o nosso sol, a rosa branca dos senhores do lado e a felicidade dos meus filhos, que espero que venham a ser aquilo que muito bem entenderem, sem problemas e sem outros a dizerem-lhe se podem ou não serem felizes e de que maneira.

Aconteceu em 2003, acontece em 2013.
Quando penso que nos anos oitenta a série 1999 era sobre a vida no futuro.



12 comentários:

  1. Aplaudo a tua paciência, parece-me impossível ficar zen perante a estupidez :)

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    1. Não percebo, não entendo o estado de espírito com que se vai para uma manifestação destas. Principalmente quando se sabe que a violência está a aumentar, que era algo que estava no programa do governo antes das eleições, que seja como for, ninguém lhes pede autorização para nenhuma escolha sexual, apenas que se dê direitos iguais e que situações que existem na realidade passem a ser protegidas. Os casais homosexuais que queriam ter filhos, já os têm. Apenas não são protegidos.

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    2. Mas o que faz mesmo confusão são os argumentos, as quantidade de coisas que se ouve dizer por aí sem qualquer fundamento (nem científico, nem lógico) como "ir fazer confusão na cabeça das criancinhas", e quando estão relacionados com a religião, aí viro bicho! Como católica praticante que sou (dou catequese e tudo) choca-me muitas vezes a quantidade de comentários preconceituosos que ouço (na igreja e entre amigos), de indivíduos que supostamente pertencem a uma religião que se diz "tolerante". Porque se levássemos a bíblia à letra, teríamos de a levar em tudo, e as mulheres casadas de 2ª vez teriam de ser apedrejadas em praça pública, por ex.
      É incrivelmente triste que em 2013 ainda se façam manifestações contra o amor.

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    3. O preconceito normalmente não é racional, nem lógico. Acredito que para alguém que seja católico, e que não se reveja nestas manifestações, seja incómodo de ver associada a sua crença a estes fanatismos. Não sei como debater estas questões, não vejo como é que toda a informação que hoje em dia é disponível não é suficiente para apagar este profundo desconhecimento e desprezo pelo outro.

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  2. Entre muitas coisas que me fazem confusão, custa-me que alguns destes "salvadores do mundo" sejam pessoas inteligentes. (e já nem falo na religião que supostamente professam...).
    Por que é que o amor entre adultos conscientes há de incomodar alguém? Porquê? E não incomoda só nas suas pequeninas consciências, ainda os faz andar a levantar estandartes. Onde é que deve terminar o modo zen, de facto?

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    1. Muita, faz-me mesmo muita confusão. Mas tem mesmo muito a ver com a religião, recebo em casa o jornal da paroquia, apesar de não ser crente, e nem sempre o que leio tem muito a ver com a mensagem que estava à espera, nomeadamente de tolerância, amor do proximo, etc. Ao principio pensei que tivesse a ver apenas com uma parte ultra catolica fundamentalista, mas vejo que mesmo pessoas que me pareciam tolerantes e que não são homofobicas participam nestas manifestações.
      Eu sei que o papa é contra o casamento entre homossexuais, tem assim tanta força a figura do papa ?
      E depois outra coisa que me aflige é verem pessoas extremamente agressivas, que estão dispostas a actos de violência, apropriarem-se desta onda e não considerarem que este é um motivo para mudarem de rumo...
      Com tanta informação, por todo o lado, como é possivel haver ainda tanto medo do desconhecido ?

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  3. FYI (e sim, fui à caça minuciosa dessa informação), não há uma única palavra de Jesus, nos quatro evangelhos sinópticos, acerca das relações homossexuais. S. Paulo fala disso, mas Jesus não. E S. Paulo também é o que fala da necessidade de obediência da esposa, portanto... Lamentavelmente, o cristianismo desvia-se muitas vezes da mensagem fundamental de Jesus.

    Por que raio é que o assunto incomoda tanto? Não percebo. São só pipis e pilinhas livres, não andam a converter ninguém.

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    1. Normalmente é assim, não é ? Alguém tem uma ideia ou um ódio de estimação e tenta legitimá-lo com algo que encontrou mais ou menos escrito, num texto sagrado ou não, mais ou menos bem interpretado, e utiliza-o abusivamente. E andamos nisto há séculos.

      Mas não percebo a falta de espírito crítico, afinal, estas pessoas não vivem propriamente debaixo de uma pedra de uma aldeia esquecida atrás das montanhas e sem net.

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  4. No dia em que regressei daí creio que foi a primeira manifestação assim grande (um domingo), havia alguma confusão com o metro por causa disso e acho que houve partes da cidade que ficaram bloqueadas. Ouvi alguns comentários de tugas no voo de regresso, chateados por terem tido muitas dificuldades em chegar ao aeroporto, que demonstram que por cá, mesmo sem manifestações desse porte (parecendo que não isso dá um certo trabalho e nós resmungamos muito mas levantar o cu do sofá é que já é abuso), a mentalidadezinha é a mesma. Uma tristeza. Preocupassem-se com as suas próprias vidinhas e logo viam como tinham tanto por onde pegar.

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    1. Li algures um comentario que me parece muito certeiro, algo como : se se movimentassem assim para conquistar mais direitos para si ou para os outros, em vez de lutarem para que outros não tenham direitos, o mundo avançaria sem duvida para um melhor caminho.

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  5. será que isto de ter sempre uma mão ocupada, a guardar uma pedra para arremessar ao outro faz parte da natureza humana? ou é da (des)educação? de onde vem isto de julgar o amor dos outros?

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    1. Acredito que mesmo que sejam muitos, ainda sejam uma minoria (grande, mas minoria). E que a maior parte da humanidade seja mais positiva. Pelo menos, é assim que quero acreditar. Ficou mesmo muita gente no jardim du Luxemburgo a convivrer amenamente, quando este grupo (na realidade havia dois, glup) saiu para a"luta".

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