1.2.13

E, no entanto


Desprezo a palavra minimalismo com tanta força, que me questiono de onde vem tanta repulsa. Tanta história, tanta negação, para me vir a aperceber que a abraço todos os dias, que a venero e que dela faço os meus dias.
A minha vida. Minimalizada. Minimizada. Mínima.
Assim são os caminhos desta paixão.
As coisas, os processos, as logísticas, as matérias, a ordem e a organização, as gavetas  - não é isso a vida. A minha vida.
Chamemos-lhe epifania.

Ano de 2007, Parc de Rothchild, Boulogne Billancourt.
Um dia não fui trabalhar, telefonei a avisar que não ia, não dei desculpas e desliguei o telemóvel. A ama tinha ficado em minha casa com a minha filha, em breve a outra família com quem partilhávamos despesas iria chegar e deixar o seu filho, antes de entrar no ritmo matinal colectivo dos transportes e dos objectivos. Os três passariam o dia juntos, na minha casa. No jardim da frente se estivesse bom tempo. Eu a trabalhar.
Tinha-me vestido, penteado, dado um toque com o secador e tudo. Fiz a tal chamada e em vez de virar à direita, virei à esquerda e entrei no Parc Rothschild.
Nunca tinha visitado o Parc Rothschild vazio. Íamos sempre ao fim de semana, o grande relvado cheio de tapetes e toalhas de picnic, vários jogos de futebol, rugby, frizzbee, festas de aniversário para crianças. Nesse dia, para além dos patos e do nevoeiro, havia "eu" e o que estava a fazer à minha vida.
Chega aqui a parte de utilizar novamente a palavra "epifania". Podia ter fingido que não era nada, podia ter corrido para o escritório, se tivesse um blogue poderia ter ido escrever sobre essa estranha manhã e esses estranhos pensamentos.
Deitei fora toda a rotina, todos os estranhos hábitos, tudo o que não me fazia sentido. Era tanta coisa. Minimalismo. O processo de demissão, a conversa com o namorado no caffé de la rotonde, a discussão com o pêdegê, o nível de vida que foi por ali abaixo. Detalhes.
Hoje tenho tempo.
Tempo.
Nem sempre sei o que fazer com ele. Muitas vezes o desperdiço. Muitas vezes o aproveito.
As escolhas que faço ainda são muitas vezes inconscientes, ainda tenho muitos gestos automatizados, muitos pensamentos como se tivesse pressa para apanhar o metro. Não é normal ter tempo nos tempos que correm. Ter um tempo que toma o seu tempo.

Ontem uma ama que vai ficar sem duas crianças em Setembro perguntava-me quando é que eu começava a trabalhar. Ela poderia ficar a tomar conta dos meus filhos, dar-lhes o almoço e ir busca-los quando a escola acabasse. Faria assim, tudo muito mais sentido. Eu entraria no sistema, ela teria emprego a fazer o que a mim me compete e os meus filhos passariam a ver a mãe apenas ao final do dia. Os números do desemprego desceriam, o Hollande já fez mostrar que anda preocupado, e tudo entraria nos eixos.
Nos eixos de quem, ou do quê, isso ficou por esclarecer naquela tarde passada no parque infantil.

17 comentários:

  1. A inveja é muito feia. E lixada. (atenção que é de mim que falo)

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    1. A inveja é, sobretudo, muito vã.
      Tudo o que se conta ou mostra é sempre parcial, se invejamos algo é apenas porque a parte que nos foi mostrada era apelativa. Nada é verdadeiramente perfeito, pelo que a invejar algo estamos sempre a invejar um todo, com todas as imperfeições que, ou desconhecemos, ou fingimos desconhecer.
      Podia aqui falar do peso do tempo desperdiçado, das duvidas, das angustias, mas acho que não é necessario.

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  2. Tenho a sorte de ter um trabalho que depois de ter sido mãe me permite ter algum tempo- não tanto quanto preciso para fazer tantas coisas que quero mesmo fazer-para não andar sem correias e stress e horários e trânsito. Tenho free pass para chegar tarde e sair cedo, porque o meu patrão tem absoluta confiança no meu trabalho e na minha honestidade. Sim, isto também é um grande privilégio.Tenho tempo para ela, mas na realidade continuo sem ter tempo para mim,. como vou todos os dias ao parque espero que também ele me dê alguma resposta ;-)

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    1. Cuidado que existem parques e parques. Se o primeiro me deu a força de parar com uma rotina que me desgastava, o segundo coloca-me questões, sem me mostrar a ponta de uma solução.

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  3. Trata-se principalmente de sabermos ter mão no nosso destino. Escolher um caminho e trilhá-lo com confiança. Por aqui continuo placidamente a seguir as indicações. E depois queixo-me. Mas assumir a decisão...isso...é que é pior.

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    1. Decidir e assumir a decisão, parece sempre muito fácil na teoria. Esta decisão tomei-a, está tomada e felicito-me por isso, mas hoje tenho outras que ando aqui a protelar e a fingir que não é nada comigo. Esta coisa de viver todos os dias é uma ideia lixada. Felizmente que é fim de semana !

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    2. Isso é porque sabes que a próxima decisão é a mais lixada de todas até agora. É uma puta de uma decisão (e eu estou à vontade para lhe chamar o que quiser, porque acabei de a tomar, está bem?).
      Keep Calm e mais não sei quê...(esta mania de pensar, repensar, sofrer por antecipação, ser impulsiva, seguir instintos tão racionais, ser um salmão, i.e nadar contra a corrente, é muito bonitos mas mói)

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    3. (Caraças, como é que fizeste uma coisa dessas ? Sinto-me a última dos Moicanos e nem sequer sei montar um cavalo...).

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    4. A vaca fria é que a decisão esteve tomada, com data para acontecer. Depois começaram as notícias da crise. E, como diz o outro..., aguenta? Aí, aguenta. Veremos o que aí vem.

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  4. Eu pergunto-me muitas vezes "mas afinal o que é isso da vida simples?".

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    1. Da vida simples, da vida normal, da vida feliz ... existe por aí muita definição por descobrir.

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  5. Eu ainda penso que o maior valor que um mãe pode ter é o tempo. Crianças precisam dele e não vejo muito sentido em contratar alguém para dar o tempo que você não quer ter. Exceto em caso de extrema necessidade, de sobrevivência mesmo, acho uma insanidade.

    Ok, essa sou eu, seria insanidade para a minha vida. Para as outras vidas, que possam encontrar um caminho que seja adequado às crianças.

    Beijos!

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    1. Quando falo de tempo, ainda vou mais longe, falo mesmo de tempo para mim - essa coisa pornográfica. Desde que os meus filhos entraram na escola, foi o que ganhei, não sei se é precioso, não está cotado em lado nenhum, mas não sei como viveria agora se o perdesse.
      Quanto ao tempo para as crianças, esse sim é um valor acrescentado que se vê e sente-se e toca-se e ouve-se.

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    2. Espera lá, és a Luana ! A Luana das festas ! Vamos fazer uma festinha de carnaval daqui a duas semanas, tens dicas para convites e decoração ? Aqui em França ninguém liga ao Carnaval, mas desde o fim do ano que não fazemos nenhuma festa à sério, estamos muito precisados !!

      Ai, caraças, isto agora soou um bocadinho dondoca ...

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    3. kkkkk, Carla!!!! Tem uma linha da Zara Home, lindaaaaa, com estampa de pegada vintage de carnaval, um escândalo. Será que você as escontra por aí? Vou dar uma pesquisada em ideias baratinhas e posto! Beijos

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    4. :D Segunda-feira vou à Zara Home, então. Vou andar de olho no teu blogue, assim sendo, para ver se surgem mais boas ideias. Tem que ter muito Brasil, porque por terras francesas Carnaval quer dizer Brasil (e para os mais pequenos a banda sonora do filme "Rio").
      Beijinhos

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