20.6.25

Caramelo

Toda a cidade tem a cor do caramelo. De um açúcar que já foi branco e novo. Ardeu. Queimou, em certos lugares, agora é caramelo. As raizes das árvores rasgaram os passeios. A areia cor de laranja aparece nos buracos das estradas. Os chapas, os inúmeros chapas, transporte informal, geram uma confusão desgraçada que tem a graça de estar viva e ser funcional, grita-se o nome das cidades ou das zonas das cidades onde vão acabar a viagem "Anjo Voador", "Xipamanine". Entopem o trânsito, acumulam-se pessoas nos passeios, gritaria, passos apressados, carros parados no meio das estradas. 

Subo as avenidas. A cidade parece parada no tempo, e eu ando às voltas com uma mapa em papel com cruzes a assinalar o meu percurso inicial. A clínica onde nasci, a casa da minha avó, dos meus pais, a piscina onde ia, o parque, a pastelaria da familia, a escola onde a minha mãe dava aulas, a igreja onde casou, a esplanada onde fiz uma cicatriz na mão. Essa cicatriz que me lembrava, de vez em quando, de onde eu vim. 
A cidade caramelo, como a maior parte das cidades aficanas que antes foram colonizadas, tem uma nova vida. Não é como as ruinas de Macchu Pichu, onde precisamos de muita imaginação para entender como foi. Nem como Cuba, que se manteve como era. Maputo é uma Lourenço Marques ocupada por quem não a quis e não faz para que continue na mesma. 
Parece-me demasiado grande para a quantidade de pessoas que vejo na rua. Estarão muitos apartamentos desocupados? Por vezes, sinto como se estivesse num cenário pós apocalíptico. Mas na atmosfera caramelo, estranhamente a maior parte das pessoas têm um sorriso oferecer, parecem calmos. Em paz. Doces. 
Caramelo.




Todas as sextas-feiras um grupo de escritoras publica um texto sobre o mesmo tema,  a hora é aleatória, a assiduidade é a possível. 

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