9.1.14

Se o caminho for para o Norte, seguimos para Sul


A viagem de regresso não foi assim tão pêra doce com vinho, como isso. Espanha nunca mais acabava, não queríamos comer nem mais uma tortilla e a chuva não nos dava vontade de sair das auto-pistas. Apesar das promessas das placas de Salamanca, Bilbao, San Sebastian, continuavamos em frente, qual burro com palas : na segunda começava a escola, o escritório, os deveres e as obrigações. Ocorre-me agora, que tenho vindo a reparar, que a escola e o trabalho são péssimos para se descobrir o mundo e viver a vida.
As musicas salvadoras já tinham sido todas ouvidas e reouvidas e memorizadas e re-interpretadas. Os jogos tinham dado tudo o que tinham, as costas idem e começávamos vezes sem conta, conversas sobre o porquê de não termos vindo de avião. Companhias aéreas que não distinguem vulgares férias, destas romarias ao arroz doce da minha mãe, que se aproveitam desta vontade que se confunde com necessidade : eu vos amaldiçoou.

A paisagem desfilava e lembrava-me de Dom Quixote, que a minha cultura hispânica não dá para muito mais e o Verano Azul não mais seria tão desadequado. Perdidos. Entre a terra ocre, o asfalto de sua própria cor e as nuvens escuras. Desamparados a lutar, em vão, contra as portagens, muito pouco feitas de vento. Os quatro e o tempo que passava,  a não apreciar a viagem, a ver os emigrantes da Suíça em grandes carros brancos a ultrapassar-nos, motivados com a chegada. Estranhamente, não vimos nenhum do Luxemburgo.
Chegamos a Bordéus, depois da meia noite, a pedir clemência. Nunca mais estes pneus vão tocar uma autoestrada.
Os miúdos, frescos, tinham adormecido às 17h quando o sol nos deixou. Pelo que, foi um inicio de noite, a que vos poupo.
Quando acordámos no dia seguinte, Paris e o asfalto eram a Norte.
Rumamos a Sul.
Saint Emillion tinha outros planos para nós. O abençoado. Eu, que não sou crente de nada, dei por mim a acreditar piamente em cada elogio, feito a cada fruto, de cada quilometro de vinha que atravessávamos. Abençoadas.
Saint Emillion, estava sem santoemilianos, nem turistas. Apenas chuva, cozinheiros de cannelés e de uns maccarons muito próprios, vendedores de vinho e nós. Fomos bons clientes, por nós a vila continuara a prosperar. Comemos os cannelés à frente da maior igreja monolítica da Europa, tecemos os adjectivos mais generosos a estes macarões de amêndoa e compramos vinho para bebermos numa ocasião especial. A ocasião especial foi ontem à noite. Numa grande coincidência astronómica, ontem percebemos que estávamos vivos. Não pode haver maior motivo para um brinde de um cru de Saint-Emillion.
Num momento de maior chuva, surgiu-nos uma vontade inesperada de conhecer mais sobre o que estava dentro de qualquer coisa e seguimos o guia turistico pelas catacumbas, a enorme igreja escavada numa pedra, a gruta onde o santo viveu os seus ultimos 17 anos, o banco de fertilidade onde também Aliénor de Aquitaine se sentou para dar à luz nove meses depois, Ricardo coração de Leão. Os meus filhos a vibrar com as referência que fizémos à historia do Robin dos Bosques, e aos bonecos da Idade Medieval que tinham recebido com o nome destes personagens.
Que cultos se acharam. Que espertos pais nos sentimos. Por mim, podia ser sempre assim a escola. De férias, a viajar por onde nos tinham levado os livros ou a sorte.
Em Saint-Emillion, pensei neste video e tirei fotos que mereciam ser editadas, mas parece-me que tempo não chega para tudo.

4 comentários:

  1. Descobri que pode existir um meio-termo. Aprender em casa. Mas... tens a certeza que é isso que queres ? ;-)

    Beijos

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  2. Ficar em casa sozinha com os dois e ter que lhes ensinar tudo, parece-me uma experiência completa,ente radical, sem nada de meio-termo. Definitivamente não é o que quero. Agora estar de férias o ano todo, com os miudos, mais o pai (que eu não sou louca) e ensinar e aprendermos em conjunto in loco o que se explica em teoria na escola : SIM.

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  3. Belo estágio. Em termos técnico-tácticos, é notável a evolução da equipa no sentido da organização entrópica e tendencialmente epicurista. Mais uns quantos destes e estão prontos a entrar na grande Liga das Famílias Viajantes Profissionais ;)

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    Respostas
    1. Agradeço a avaliação positiva, mas vou mais longe e tentarei tirar daqui lições para o futuro, houve ali na viagem durante Espanha (meio dia) uma certa falta de previsão de falhas cognitivo-distraccionistas grave. O profissionalismo ainda é uma miragem.

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