22.10.12

Muito mais do que uma festa


Estiquei o cabelo apesar da humidade lá fora. Vesti uma saia, botas da tropa. Botas pretas e pesadas, que por três vezes, diferentes amigas da minha filha me desaconselharam a usar. Ela diz-me que se gosto, devo continuar a vesti-las. E eu há seis anos que não consigo parar de a beijar. Ela, que vinha de uma tarde passada numa festa de aniversário de uma amiga. Com uma tiara na cabeça. Tema : As princesas.
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Noite. Deixámo-los em boa companhia, a fazer máscaras de cartão. Fomos de metro até Franklin Roosevelt, na carruagem onde o espectáculo já tinha começado. Um saxofone, um amplicador e alguma ginástica acrobática nas barras de apoio. Estavam a divertir-se, a animar-nos, não pediram dinheiro. Pelo menos até à nossa paragem. Um padre novo - e giro - olhava para toda a cena e para os passageiros com um sorriso. Sorrisos em quase todas as caras.
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No teatro do Rond Point duas actrizes de cinema esperavam na fila para a casa de banho. Atrás de mim. O restaurante do teatro estava cheio. O meu namorado à minha espera. O mais bonito da sala das pessoas bonitas. Sei o que sente um macho alfa. Apesar de tudo.
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 A peça de teatro "Modèles" foi como, às vezes, as peças são. Mesmo quando nem sequer precisam de sê-lo : tocantes, perturbadoras, belas e que nos mudam por dentro.
Femininismo. Pensava-me femininista pelas outras. Não por mim. Tinha conseguido passar entre as gotas do sexismo. Escolhi o curso que queria. Escolhi ? Fui para o emprego que me apeteceu. Fui ? Subi na hierarquia como seria justo. Seria ? Parei de trabalhar porque quis e estou em casa a cuidar dos filhos, porque foi a minha opção. A sério ? Não me masturbo, porque não gosto. Não ? Fui educada a pensar que os homens e as mulheres são iguais. São ?
Na primeira fila, de pé a aplaudir, a gritar bravo e a não reter as lágrimas. Obrigada, eu.
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Entramos de velib'. Três tentativas depois e tinhamos bicicletas sem os pneus furados, nem as mudanças estragadas. A Torre Eiffel perdeu o cimo no nevoeiro. O Sena não perdeu o reflexo. E eu, ainda sou como a turista que viu o arco de triunfo pela primeira vez. A querer ver tudo, sentir ainda mais, viver mais fundo. São 1h da manhã, e o café La Palette em Saint Germain está a abarrotar. Falo da condição da mulher, com ele, que sempre foi mais femininista que eu. E desta vez, começo a pensar que tem razão. Tem razão. Não somos iguais. Mas a diferença não está onde todos a julgam.
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Não sei se foi por causa da chuva, mas tudo brilha esta noite.
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Este é um post verídico, com fotos sem photoshop e muito minhas, sobre como na vida podem também acontecer noites assim. Este é um post para ler nas outras noites. Este é um post para me fazer ter mais noites assim. Para vos fazer ter, também. Se assim o entenderem.
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Hemingway tinha razão, mas não disse tudo. Paris é muito mais do que uma festa.

15 comentários:

  1. quando tinha 14 anos fui a Paris: quer dizer atravessámos de carro a Periferic e seguimos viagem para a Alemanha. No regresso, estacionámos nos Campos Elísios subimos e descemos a avenida a pé.
    Em Dezembro de 2009 fui com o marido: apanhámos o avião em lisboa, numa 6ª feira à tarde, e na 2ª de manhã eu regressei, ele ficou mais uma semana a trabalhar por lá.
    Ainda que tenha chovido em quase todos os segundos que durou a viagem, foi mesmo isso que eu senti, uma festa contínua,para uma garota deslumbrada.

    ( mas ainda bem que eu não sou da ASAE)

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    1. Pois, é exactamente isso tudo, mas ja aqui estou ha 10 anos : uma garota deslumbrada...

      (ASAE ??)

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    2. ASAE: senhores que fiscalizam as actividades econónicas, os restaurantes, as padarias, as pastelarias, os mercados...a mosca no prato, o cabelo na bancada, o bolor na prateleira...muito detestados pelos portugueses

      E também não sou da protecção civil, nem dos bombeiros, nem das vistorias camarárias: por cá, jamais um hotel de 4 estrelas poderia ter um elvador onde só cabe uma pessoa, escadas em caracol até ao 6 º andar, portas de elevador que abrem para escadas, restaurante de hotel nas catacumbas sem iluminação decente nem ventilação, escadas em caracol alcatifadas, sem saídas de emergência...mas a promoção dizia hotel romântico, e de facto, é muito romântico ficar num quarto nas águas furtadas do hotel, com vista para a torre Eiffel,( mesmo sem pé direito regulamentar,e só dando para tomar banho sentada, pois a banheira, sem cortina, sem protecção qualquer contra a saída de água do chuveiro ficava numa zona de tecto tão baixo que nem sequer dava para ficar de pé ou de joelhos...)

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    3. Aqui também existe uma entidade que controla a qualidade e a segurança, mas realmente parece ser mais tolerante. Quantos restaurantes e bares e discotecas nas caves existem por aqui... e muito giros, diga-se de passagem. Enquanto não houver azares.
      E a baguette debaixo do braço. Ui, qualquer dia morremos todos.

      Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

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  2. Não sei se te falta fazer a revolução feminista interior, mas fico feliz por ver que fizeram a revolução babysittinga :)

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    1. Ainda ando a fazer batota, a babysitter é uma amiga nossa. Precisamos de fazer a verdadeira revolução e telefonar para aquela de confiança e que nos espera ha 5 anos, sentada do outro lado do telefone. Sabes, é que uma pessoa habitua-se e depois quer sair todas as semanas. Revolução NOW !

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  3. Post tocante. Corajoso.
    Parabéns, gosto muito de te ler!

    Catarina

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  4. Pois, uma noite assim resolve tantas coisas dentro de nós...Suponho que em Paris resolva ainda mais :)

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  5. ..."teremos sempre Paris" ;)

    ps: e eu ia jurar que conheço o casal ali na esplanada!

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    1. Esperemos bem que sim, não nos tirem Paris. Ou o que já vivemos por cá. Por lá.

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