Os dias passam a correr e eu com todo o tempo do mundo para ler.
Sou a última das irresponsáveis.
E o orgulho que sinto nisso ?
Acalmem-se os ânimos. Afinal, é apenas uma tentativa como tantas outras.
Os preparativos estão longe de se passar como idealizados. Certo, temos passado mais tempo no Quai Branly e no Guimet do que no supermercado, mas nada é suficiente para acalmar o meu desassossego, a minha frustração em relação à minha ignorância crescente. Galopante.
Os meus filhos, mais sábios e serenos, desenham Shivas perfeitos, ouvem a história mítica do Belo Rei Macaco e divertem-se com o seu etnólogo preferido que lhes conta as maravilhas sobre as casas proibidas onde guardam o arroz no Vietname. No caminho para a escola, cantam Como te llamas, uma música do método de espanhol que a minha filha decidiu seguir.
São jovens e inconsequentes, logo, estão prontos para a vida.
Na rua os vizinhos assaltam-me com perguntas e exclamações :
E a mala ?
E a escola ?
E as doenças dos miúdos ?
Eu nunca seria capaz de viver um ano inteiro sem raízes, sem referências !
Mas muito bem, muito bem, admiro a vossa coragem ! acrescentam enquanto me dão pancadinhas nas costas.
Se um dia me auto-condenar à forca é assim que quero ir.
Os seguros, os vistos, o contrato com o banco, novo cartão de crédito, os impostos, o contrato da casa a alugar, as visitas, as vacinas, os dentes.
E eu leio e ouço música. E danço. E tudo.
A última das irresponsáveis. A minha mãe estava certa desde o princípio.
Têm planos para mim para este fim de semana. Altitude e longitude : Paris. Não sei como vou conseguir chegar a tempo ao aniversário perto da torre Eiffel. Nunca a minha mente esteve tão distante do corpo.
Hoje de manhã, por exemplo, tomei o pequeno almoço nas margens do Mekong.
"No ultimo dia em Luang Prabang meti-me num barco e subi o Mekong até às grutas de Tham Ting, com os sete mil budas."
("Disse-me um adivinho", Tiziano Terzani)
Pelos vistos, vamos mesmo viver notre putain de belle histoire, como ele tinha prometido.
Esta música, que nos persegue há dez anos, é por muita coisa.
"Disse-me um adivinho" - parece-me que encontraste o mapa ideal para a vossa viagem!
ResponderEliminarTantos mapas que encontrei ! Um ano não vai dar nem para um centésimo do que queremos fazer/ver/viver/cheirar/tocar. Tão pouco tempo, tão pouca cultura e tanto mundo...
EliminarGostei muito, muito do "Vi Brasil" da Alexandra Lucas Coelho e agora estou à espera a roer as unhas dos proximos livros que encomendei da colecção iteratura de viagem da Tinta da China. Que mina ! Devia ter começado a preparar esta viagem na primeira classe.
Os teus filhos é que a sabem toda. E pô-los a tratar dos seguros, vistos, contratos, etc.?
ResponderEliminarAhahahahahahaha !
EliminarNão os protejo das quedas, não os protejo do frio, não os protejo da comida picante, não os protejo da saudade da familia, nem dos amigos, deixa-me ao menos, protegê-los da burocracia.
:) Vai em paz e que Tiziano Terzani te acompanhe.
ResponderEliminarP.S Ainda passas por Lisboa antes da "belle histoire"?
ResponderEliminarAi caneco !
EliminarMas não te lembras que até ja combinamos cenas e coisas ?
Vou passar os dois meses de Verão à terrinha, para me despedir convenientemente, que eu não sou de fazer as coisas por metade e no final de Agosto é que começa a nossa putain de belle histoire. Ou pelo menos um dos seus capitulos.
(estranho, omitiste o "putain")
(Não é nada estranho, palavrões só em português!)
EliminarCá te aguardo, então. Desta vez jantamos em minha casa, que eu quero despedir-me a sério.
Este Verão aceito todas as propostas. Mas a esta, em especial, irei com todo o gosto.
EliminarE com vinho, claro.