Tenho um grande amigo, um metro e noventa, que tem uma táctica infalível para enxutar os erros de principiante, tão obrigatórios entre imaturos e jovens. Ele observa, estuda e copia octagenários, assumindo que é um método que na realidade falha por vezes, mas jurando a pés juntos que o balanço final é positivo.
Segundo ele, quem já cá anda há tanto tempo, já deve ter percebido o que vale a pena, já consegue distinguir o que é fogo de vista do que é mesmo bom, e o que merece umas boas horas de espera, uma cadeirinha de ocasião ou um farnel preparado na véspera.
Chegamos à frente do São Carlos duas horas antes do que eu pensava desejar. Sentamo-nos ao pé de um senhor distinto, com à vontade mais 30 anos do que nós. Toca-lhe o telemóvel : Então Maria, aindas estás viva? Começava uma conversa animada sobre alguém que está em coma e depois de um outro conhecido que morreu recentemente e que levara em cima do caixão uma bandeira tão pequena, que mais parecia um guardanapo. O meu amigo sorriu e piscou um olho. Estávamos no bom sítio, no momento certo.
Uma cadeira de plástico atrás, oferece-se por cortesia mordidelas em sandes de queijo e fiambre. Rio-me do castiço da situação. Uma hora mais tarde, o meu estômago começa a não achar piada nenhuma a este meu humor, e não lhe encontro melhor distracção do que falar com um dos rapazes que distribui o programa do festival, sobre a dificuldade do seu trabalho e dos progressos significativos que tem observado na organização dos VIPs. No primeiro ano, as cadeiras dos VIPs eram alinhadas na primeira fila, quando chegava, uma hora antes do espectáculo, todos os lugares já estavam preenchidos e era uma carga de trabalhos para demover os valentes que tinham chegado com tempo e determinação. Havia pancadaria, tinham que chamar a polícia, uma confusão, nem queiram vocês saber. Havia também quem levasse lençois para guardar o lugar aos 10 amigos que tinham ficado retidos noutros afazeres. O que não era mais do que outro bom motivo para a discórdia.
O tempo passou estranhamente rápido. Por muito que me custe a acreditar em 5 minutos tinham passado as 2 horas e as luzes apagavam-se. Também me custou acreditar que o espaço VIP não tinha enchido e que à ultima da hora era ocupado por quem tinha acabado de chegar e nem sequer sabia ao que vinha... Adiante.
Valeu a pena é uma maneira deslambida de se falar sobre o que se passou a seguir. A música que Ibsen pediu a Grieg para acompanhar a sua peça de teatro, saiu-lhe melhor do que a encomenda. Peer Gynt foi-nos apresentada numa versão capaz de levantar os mortos, ou pelo menos os que já cá estão há algum tempo e a nós os dois. Notem que não faço nenhum trocadilho sobre o amigo que estava em coma, que tenho noção dos limites.
O Festival do Largo não foi feito para se perder, verifiquem aqui a programação e se passarem por mim no Chiado façam um sinal bonito com os dedos. Depois, logo comentaremos o que nos poderá fazer à saúde ouvir Ibsen pela voz do Bana e da Flapi.
E agora, venham para cá a voar !
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