14.3.25

Até o diabo se ria

 


Se tivesse uma máquina do tempo aqui à porta de casa não hesitaria a entrar nela e digitar 1992, o primeiro ano glorioso da minha vida. Tem piada porque digo sempre que não gosto de falar de mim, que não sou assim tão interessante que justifique terapia ou uma  personalidade misteriosa ou introvertida, mas volta e meia distraio-me e crio um blogue para me confessar em público ou faço um monólogo embaraçoso à primeira pergunta íntima que me fazem. E nem era assim tão íntima, a minha resposta é que a revelou assim. Dizia eu,1992, porque foi o ano em que viajei pela primeira vez numa excursão escolar não oficial do décimo segundo ano. Ainda não havia essa moda importada de se celebrar finais de ciclo, ninguém era finalista de nada, tínhamos espontaneamente chegado onde chegámos uns mais cedo, outros ainda a caminho - todos sem alarido - e tínhamo-nos metido num autocarro rumo a Paris. Também foi o ano em que assisti ao primeiro concerto que me marcou a vida. Entretanto já foram tantos, a vida toda marcada, felizmente. Ano em que comecei a sair para dançar no Frágil e no Kremlin e no Alcântara Mar. Ano em que vinha a Lisboa todos os dias, sob pretexto que tinha entrado na universidade que me interessava menos do que este território por explorar com o passe social. Digitava 1992, dizia eu, ano que já tinha a altura que tenho agora, o mesmo penteado de cabelo e a mesma personalidade, que não evolui muito nestes anos que, entretanto, soube aproveitar. Uns anos menos que outros, para grande pena minha e culpa do trabalho salarial. Sangrenta pena minha!

Nessa altura, com dezassete anos, idade mais importante para mim que os dezoito, já era quem sou e julgaria com honestidade a vida e quem sou em 2025. Queria muito ouvir o julgamento da pessoa que comecei a ser em 1992. Que riquezas viria e que desilusões me fariam querer desistir de continuar. Até o diabo se riria ao ver que todos os meus sonhos de jovem adulta se realizaram, à parte trabalhar num arranha céus em Nova York e lá ter uma carreira de sucesso num domínio por definir, que não era dada a detalhes. Mas provavelmente, este sonho não se realizou, porque com a minha sorte de estar nas cidades erradas no momentos dos atentados, ainda estaria nas Torres Gémeos naquele fatídico dia. Tive sorte, nesse caso, de não ter visto a luz do dia esse sonho que me iria tornar famosa pelas más razões na televisão portuguesa.
 
Gostava de ver o que a acérrima feminista que era, pensaria de ter parado de  trabalhar para ter filhos, aliás, ter tido filhos, já seria motivo de espanto, por si. Sei que nunca dei muito valor ao que vem depois de mim, se não for o dilúvio, e ainda menos dava quando tinha vindo ao mundo há tão pouco tempo. Como veria ter ido para Paris não por ambição de carreira, mas por amor e outras tantas decisões avessas à pessoa que eu era para ser. 

Até o Diabo se ria se me visse agora. Mas pergunto-me se eu com dezoito anos também acharia assim tanta piada às várias voltas que a vida me deu.



Outros diabos do coletivo de escrita semanal, hoje com um novo membro (bem-vinda Marisa!):




2 comentários:

  1. Obrigada por ainda dizeres passe social. haja alguma coisa que ainda seja social. vamos dizer metropolitano também. e veiculo. e um beijinho por falares dos 17 com tanta importância. é uma idade que não esqueço e nem sei porquê. talvez nesse ano tenha tido a certeza de quem era.

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  2. Obrigada por ainda dizeres passe social. haja alguma coisa que ainda seja social. vamos dizer metropolitano também. e veiculo. e um beijinho por falares dos 17 com tanta importância. é uma idade que não esqueço e nem sei porquê. talvez nesse ano tenha tido a certeza de quem era.

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