6.10.14

Umbigo


Chegamos a Cusco às 6 da manhã. Vi os arredores, em movimento, pela janela embaciada - não durmo nada nestes autocarros cama, preciso de horizontalidade. As casas são mais solidas e bonitas do que nos outros arredores : castanhas, da mesma cor das montanhas. O partido favorito, PAN, desenhou o seu símbolo, o Inca Pachacutec, por todo o lado. Também há outros desenhos dos partidos concorrentes :  vicoñas, holitas de coca, chullos rojos  - as eleições são dentro de poucos dias.
A vegetação esta presente nos passeios. Não há pó.

Tal com não estava previsto, ninguém estava à nossa espera do terminal terrestre e não sabíamos a morada do Hostel que tínhamos reservado. Conhecíamos apenas o nome do bairro : Saint Blast. Apanhamos o taxista clandestino mais barato que encontramos e cruzamos os dedos. Claro que encontramos o hostel, claro que encontramos as imensas escadarias que separavam o táxi da nossa próxima cama e uniam as mochilas às nossas costas.
Um lama desce as escadas que subimos. Esquecemos que estamos cansados.
Subimos e sentamo-nos na sala comum. Vista sobre toda a cidade de Cusco. Qosqo.
Benditas escadarias. Os telhados mais escuros ou mais claros, conforme as nuvens que passam. Estamos em cima do umbigo do mundo.

Cusco é uma cidade colonial, não sei se é por isso que gosto tanto dela.
Talvez esteja tão formatada com a ideia de beleza arquitectonica europeia, que me é mais fácil amar o que conheço. O que não deixa de ser uma triste ideia, para quem se quer aberta à novidade.
Há muitos cruzamentos em Cusco. Um francês que cruzamos, diz-nos que se cruzou com um jurídico peruano bastante credível, que lhe explicou que na época comunista peruviana, a arquitectura tinha que ser apenas funcional. O que explica as casas de tijolo aparente, sem acabamentos, completamente inestética. Talvez não haja mesmo beleza, em absoluto, a ser admirada em vilas como Juliaca, a mais feia que vi até agora. e nesse caso fico absolvida do meu próprio julgamento.

Decidimos passar o primeiro dia em Cusco a arrastar-nos. Ou, na melhor das hipóteses, a perder-nos. Fomos descendo pelo bairro de Saint Blast, o bairro cool dos artistas, do artesanato, dos cafés com musica ao vivo. Fomos parar à Plaza Mayor, a mais fotografada da América do Sul, provavelmente com razões para isso. Ainda não posso comparar, mas estou no caminho de acreditar. Com as suas varandas - los balcones, as igrejas jesuítas e católicas que rivalizaram em beleza, com vantagem para a primeira, a fonte no centro.

Fomo-nos perdendo pelas ruas com casas que assentam em muros incas, nos muros a hipótese de terem sido casas das virgens do sol. Sonhamos.
Acabamos a negociar com uma guia, para que nos contasse tudo sobre o mais importante templo Inca, o Coricancha. Não fazer nada é muito difícil em Cusco. O umbigo do mundo ainda mora aqui. Entramos pelo convento, construído em cima do templo Inca. Tudo devia ser destruído : templos, crenças, organizações, força, orgulho. Até os mortos. Muito resistiu, felizmente.

Houve muitas civilizações antes dos Incas,  mas os peruanos com que falamos, referem-se sobretudo a este povo como seu antepassado. Com a conquista espanhola, que visava essencialmente o ouro e a prata,perderam-se todos os conhecimentos e grande parte da cultura Inca.
Quando visito as ruinas Incas, gosto de fazer um esforço para imaginar o mundo em que vivemos, se não tivesse havida esta ruptura. Se hoje, em vez de uma globalização uniformizadora, podessemos usfruir de mais esta maneira de viver e ver o mundo.
Senão, recuperar a historia hoje, mudar de referências.
Mostrar os vestígios espanhóis aos turistas e fazer viver o melhor da cultura Inca.

Dizem-me que os Incas estavam organizados para que ninguém passasse fome, que todos tivessem o mínimo para subsistir, se assim, é porque não partir dessa base ? Lamento que se continue a insistir no modelo europeu ou norte americano, no consumismo, nos smartphones, no capitalismo baseado no salve-se quem puder.
Os Incas adoravam divinidades como o sol, a lua, as estrelas, a Pacha Mama (mãe natureza). Hoje, vejo eucaliptos por onde passo. Dizem-me que saiu um decreto de lei para os cortar, porque estão a secar as terras, a dar cabo do equilíbrio ambiental. Mas o que é facto, é que são lucrativos para a industria do papel.
Este caminho não pode ser o único. Temos todos uma noção de onde vai dar.
Vejo algumas diferenças entre o Peru e a Europa de onde venho.
Gostava de ver mais.

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