20.6.12

Mensagem numa garrafa de Bordeaux do ano de 2035

Carla R. de 37 anos,

Lê esta carta na diagonal, não chegues sequer ao fim, que não vai valer a pena e faz-te à vida.
Faz. 
Faz-te. 
Faz como muitas vezes fizeste no passado, às vezes deste-te bem, às vezes deste-te mal. Mas nunca ficaste tanto tempo a dizer e a pensar e a escrever e a responder. Andas tão moderadazinha, tão certinha. Tão inha inha.
Vive e erra. Assim é a vida, cavalinho.
Queima os blogues de pensamento zen e ponderado, envia vírus para os que falam de vidas organizadas. Tudo bem que queiras ser melhor, mas livra-te de gastar a beleza a querer mudar de personalidade. 
Não te esqueças que é na desordem que te sentes bem, que é graças à tua impulsividade que conquistaste o melhor que tens ou tiveste, que a urgência é o teu melhor aliado, que é no meio da multidão suada que preferes dançar e não ao pé do DJ, a fazer-lhe olhinhos. 
Atira o aspirador pela janela, olha o exemplo que andas a dar aos teus filhos.
Pensa menos, faz mais. Edita a vida a seguir. O photoshop vintage existe para isso mesmo. 
Come a correr, bebe a dançar, anda a gritar, convida a brincar, chora a amar. Não procures significado nestas associações, faz tudo ao mesmo tempo e muito rápido. Faz como se daqui a pouco arrebentasse a bolha. 
Não pares para pensar. Não és boa nisso. 
Lamento dizer-te com esta frontalidade, mas aos 60 anos já não papo grupos de boa educação e panos quentes, a verdade é que o teu cérebro é para ser utilizado com moderação. Não é o teu orgão mais forte. Já o devias saber, há quase 38 anos que o andas a utilizar em demasia. Olha no que é que te meteste. Tanta coisa a querer aprender, aprender... preocupa-te antes a desaprender, a esquecer o que os outros te disseram, se alguém conhecesse realmente o sentido da vida, a esta altura já se saberia. 
Esquece as frases feitas, deita por baixo os preconceitos, questiona o que te dizem e disseram. Mesmo assim vais chegar aos 60 anos a escrever cartas destas... as melhoras não serão bombásticas, como podes ver. 
Mas começa hoje. Não é um trabalho para se acabar é uma tarefa para se ir fazendo, com um copo de vinho dos não muito maus na mão. 
Esquece de vez em quando o teu cérebro. Ouve o teu estômago, o coração, que ainda bate bem, graças sabe-se lá ao quê, os músculos das tuas pernas e o teu clitóris. 
Assim vais ser feliz. Não, assim vais ter mais momentos de felicidade. Não é a mesma coisa, mas é o que se pode arranjar.
Agora vou meter a minha dentadura, tanta coisa a lavar os dentes três vezes por dia para isto, e vou continuar a minha viagem de bicicleta à volta do mundo, já que não tiveste coragem de o fazer antes. Por causa disto, por causa daquilo. Aos 60 anos vais ter reumático sabias ?

Beijinhos,
Carla R. de 60 anos

PS : A culpa desta carta é da Gralha, por muito que ela o venha a negar na caixa de comentários deste post.

7 comentários:

  1. :D

    Tens de ser mais meiguinha contigo própria. A verdade é que, mesmo aos 60, devemos continuar com muita cocozada inútil na cabeça (espero bem que sim!).

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  2. Depois de ter lido esta carta concluí o seguinte: a Carla de 60 anos vai manter o seu espírito sempre jovem... diria aí... pelos 37 anos!

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  3. Por acaso acho que a Carla R. foi uma querida, pensar atrapalha-me imenso e lembro-me de me ter divertido tanto a viver. E espero bem que mantenha a mente jovem, pode perder os dentes, pode engordar, ficar cheia de cabelos brancos e rugas e celulite (ainda mais se conseguir), mas que isto não mude. Que melhore, bolas.
    Que seja rock and roll.

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  4. Tenho quase a certeza (sem bases cientificas, atenção) que quanto mais ignorantes, mais felizes.
    Por isso o somos tão mais em novos. Depois crescemos, aprendemos, tentamos ser cultos, tentamos ser responsáveis e adultos e só conseguimos ficar presos. Presos a ensinamentos, a teorias, a costumes, basicamente é isso, pensamos de mais.
    É fechar os olhos, esquecer tudo e deixar rolar, pelo menos de vez em quando.

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  5. Um viva ao teu cérebro que mesmo aos 60 tem a clarividência e a eloquência de outrora!

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  6. Começo a ficar preocupada com as voltas que isto anda a dar ... Não quero também desatar a elogiar a ignorância, apelo antes à espontaniedade e a deitar por baixo regras e receios que nos impedem de viver. E experimentar mais.

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